Zona de Interesse: registro da banalidade do mal (Arendt, 1963) é resposta da memória coletiva judaica ao negacionismo
Título original: The Zone of Interest
Países de origem: Estados Unidos, Reino Unido e Polônia (2023)
Duração: 105 minutos
Gênero: drama histórico
Direção e roteiro: Jonathan Glazer
História original: Martin Amis (2014)
Produção: James Wilson e Ewa Puszczyńska
Direção de fotografia: Łukasz Żal
Trilha sonora: Mica Levi
Distribuição (Brasil): Diamond Films
Elenco: Christian Friedel, Sandra Hüller, Ralph Herforth, Johann Karthaus, Luis Noah Witte, Nele Ahrensmeier, Lilli Falk, Medusa Knopf
A experiência de Zona de Interesse (título original: The Zone of Interest, 2023) (Diamond Films, 2024) é de ojeriza. Adaptação cinematográfica do volume homônimo (2014) de autoria de Martin Amis (1949–2023), ao diretor-roteirista judeu Jonathan Glazer coube olhar tamanho abismo adentro para permitir-se e à audiência a observação em retorno do nada, em conformidade à injunção nietzscheana. Rudolf Höss (Christian Friedel) e a esposa Hedwig (Sandra Hüller) vivem o sonho do bucolismo quase árcade da vida de antidistrações urbanas entre o heimat oriental do imaginário nazista à sombra da indiferença perante o horror da vista de Auschwitz-Birkenau além-muros. Neste sentido, a câmera estática e algo angular permite o escrutínio onisciente da irrelevante existência pequeno-burguesa do clã Höss aos belos jardins do quintal da mansão cujo colorido contrasta com o negativo em preto e branco par da realidade de violações desvelada ao testemunho repugnante, pois impotente, de assombrosa tragédia via edição sonora.
Ao gradativo esmaecimento do título do longa-metragem logo à abertura, o ruído branco da trilha de Mica Levi ouvido à tela escura revelar-se-ia retrato não visual e não verbal da Shoah (Holocausto) frente ao som de tiros, de apitares de trem e de (lancinantes) gritos. Tomando-se o condecorado, porque antes perverso, trabalho do burocrata R. Höss ante a Solução Final (Endlösung der Judenfrage, 1942), o esmero de Hedwig H. na síntese fabulística de descabido cenário alienador a tão sórdidas presença e reprodução em lugar qual o da estabelecida vizinhança faz-se atemorizante, ao que a notícia da transferência do marido para Oranienburg clarificou por fim a ira e a malignidade racistas então represadas a uma civilizada aparência do ethos (Elias, 1939) fascista. Já a aterradora sequência final concerta paralelo com o presente de consequências museadas, porquanto existentes, de ações pretéritas por vezes, e ainda, negadas à materialidade dos traumas provocados.
A bionecropolítica (Lima, 2018) do assustadoramente banal (Arendt, 1963) como construído ao terror nacional-socialista é sobremaneira constrangedor e penalizante, a considerar-se o registro de explícita violência por fim ocultado em prol da exposição dos reais agressores, e não da exploração continuada do sofrimento das vítimas. Não reste a The Zone of Interest saída fácil e desresponsabilizadora, mas compromisso com a história. O sequestro tentado ao sionismo e as negacionistas mentiras da extrema-direita liberal requerem do campo democrático agência política pró-memória coletiva e pró-justiça reparatória de transição em outra economia das relações.