Yannick: análise do estado de coisas do cinema depende de escrutínio externo da neoliberalização do consumo em arte e dos circuitos criativos da cadeia realizadora
Título original: Yannick
País de origem: França (2023)
Duração: 65 minutos
Gênero: comédia; drama
Direção, roteiro, fotografia, montagem e coprodução: Quentin Dupieux
Produção: Hugo Sélignac, Thomas Verhaeghe e Mathieu Verhaeghe
Som: Guillaume le Braz, Alexis Place, Gadou Naudin e Jean-Paul Hurier
Distribuição (Brasil): MUBI
Elenco: Raphaël Quenard, Pio Marmaï, Blanche Gardin, Sébastien Chassagne, Agnès Hurstel
Sem dúvida, uma das mais contundentes análises a respeito do estado de apreciação artística contemporâneo. Escrutinada, então, neste metalinguístico Yannick (2023) (MUBI, 2024), a autoria em cinema identificar-se-ia com os efeitos do avanço da neoliberalização no consumo em arte e na cadeia criativa realizadora, sendo a ruptura cognitivo-emocional atestável condicionante estressor para o afastamento do diálogo inter-realidades. Em cena, a forjada distância produz-se à escolha de ângulos baixos em uma profundidade de campo ampliada entre planos médios, enquanto a triangulação de câmeras estabelece à reviravolta disputas não individuais de uma economia cultural desvelada.
Pulverizados os espaços de (in)formação de público espectador e descentralizados os circuitos de produção, de circulação e de recepção intelectuais em meio digital, o descrédito do sistema simbólico liberal constitui-se face da retomada violenta da agência criativa ante uma idiotização percebida secular ao controle produtor de subjetividades vigente. Se a arma sacada ao protagonista (Raphaël Quenard) é expressão (fálica) insurgente à estrutura reproduzidamente opressiva de hierarquias societárias, o embate e a convergência finais verificados compõem, em verdade, o rearranjo do salário psicológico (Du Bois, 1935) das hegemonias e dos pequenos poderes às branquidades (masculinas ou femininas) médias. Sistêmico, o conflito, por fim, organizado de cisões identitárias no capitalismo globalizado transnacionalizou a crítica geral aos espaços e aos atores mesmos da criação cinematográfica via questionamento do teatro apresentado único das realidades e das experiências humanas.
Atual e a construir-se preponderante, no entanto, o extremismo contrarreativo neoconservador articula-se no perigoso vazio político da não consolidação das vitórias alcançadas às novas representações pelo realinhamento consensuado da velha intelligentsia em torno de seus legitimadores financeiros. Sensível, o longa dirigido, roteirizado, fotografado e montado por Quentin Dupieux situa debates e conjuntura com a irreverência característica, embora complexificá-los no interior da sátira proposta melhor servisse à nomeação de responsabilidades e de outras indagações pertinentes mais.