Wicked: adaptação cinematográfica de musical e de volume homônimos desconstrói brilhante fantasia da Oz supremacista de L. Frank Baum (1900) em longa sobre o mito de origem da Bruxa Má do Oeste
Título: Wicked
Países de origem: Estados Unidos e Reino Unido (2024)
Duração: 160 minutos
Gênero: fantasia; comédia dramática; musical
Direção: John M. Chu
Roteiro: Winnie Holzman e Dana Fox
História original: Gregory Maguire (1995) e Stephen Schwartz (2003)
Produção: Marc Platt e David Stone
Fotografia: Alice Brooks
Montagem: Myron Kerstein
Direção de arte: Nathan Crowley
Música: John Powell e Stephen Schwartz
Desenho de som: John Marquis
Figurino: Paul Tazewell
Efeitos especiais: Tom Bailey
Distribuição (Brasil): Universal Pictures
Elenco: Cynthia Erivo, Ariana Grande, Jonathan Bailey, Michelle Yeoh, Jeff Goldblum, Marissa Bode, Ethan Slater, Bowen Yang, Bronwyn James, Keala Settle
O diálogo estabelecido com os clássicos literário e cinematográfico de 1900 e de 1939 faria do retorno às origens da Bruxa Má do Oeste empreendido por Wicked (1995) prosa ficcional crítica ao racialismo novecentista e à informação histórica do triunfo da empresa colonial anti-indígena estadunidense. A substituir-se o verde por marrom ou por negro, a marca trazida à pele por Elphaba Thropp (Cynthia Erivo) assinalaria a inferioridade biológica dos subalternizados e a degenerescência moral do estupro miscigenatório formador da nação americana. Transformado o romance de autoria de Gregory Maguire (Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West) em dramaturgia e, agora, em obra fílmica, a produção dirigida por John M. Chu (Universal Pictures, 2024) eterniza na tela grande a nada apologética história da fantástica Oz e da farsa supremacista do heroico apogeu da menina do Kansas sobre a ilusão selvagem.
A construção digital dos mundos de Munchkin e da Cidade das Esmeraldas combinada a efeitos práticos torna quase realista o encontro das aprendizes de Madame Morrible (Michelle Yeoh) na universitária escola Shiz. Da invisibilidade familiar e dos achaques (de tipo racistas) sofridos desde à infância à predileção da mentora, Thropp cruzaria o caminho de Galinda Upland (Ariana Grande), queridinha incensada à estrela discente pelo femismo em rosa do ridículo societário. Tornadas colegas de quarto, os contrastes de luzes e de sombras assentariam a preeminência e o ostracismo sociais respectivamente imputados a uma e a outra atrizes, não obstante a baixa saturação pareça acinzentar brilhantes raios de sol e a bricolagem cromática da plêiade de corpos, de afetos e de capacidades vista. Após revelada a gentileza feita por aquela a quem menoscabava, Upland devolvera amizade baseada em dividendos cuja verve salvacionista antes renderia elogios públicos à generosidade de elã integrador das diferenças à branca paranoia da hiperrelevância. Solitária, a ternura dirigida por Fiyero Tigelaar (Jonathan Bailey) à protagonista de Cynthia Erivo introduzi-la-ia a sentimento nunca conhecido enquanto a Glinda de Ariana Grande abraçava-a e a seus intentos da forma possível a alguém egocêntrica e, uma vez urdido o chamamento ao destino outrora sonhado, o vislumbre de si à alteridade transformar-se-ia em pesadelo.
A tentativa de sequestro das habilidades mágicas de Elphaba para o controle e para o jugo populacionais do contingente Animal enfrentaria a resistência antiespecista da personagem ante o apelo à ordem e à violência política, pois oriunda de solidariedade emulável às agressões discriminatórias sofridas em uma vida. Já a obediente queda da contraparte ao assédio imperialista metonimizaria a alternância pactuada do poder a representante da vocação oziana ao domínio e a vitória da agenda civilizadora. Em catártico número musical, a escolha do voo a Oeste compreenderia a assunção humana por vínculo identitário com os despossuídos e, até o silêncio derradeiro do levante por Dorothy Gale, promessa é a da batalha épica de ambas as forças rumo à eternidade de suas conquistas.