Vidas Passadas: viver o agora significa honrar o passado em lugar distante ao da vida no presente

Thainá Campos Seriz
3 min readJan 30, 2024

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Pôster promocional de “Vidas Passadas” (título original: “Past Lives”, 2023), com direção e roteiro da estreante em longas-metragens Celine Song. Foto: reprodução.

Título original: Past Lives
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 106 minutos
Gênero: romance; drama
Direção e roteiro: Celine Song
Produção: David Hinojosa, Christine Vachon e Pamela Koffler
Direção de fotografia: Shabier Kirchner
Montagem: Keith Fraase
Direção de arte: Grace Yun
Trilha sonora: Christopher Bear e Daniel Rossen
Figurino: Katina Danabassis
Distribuição (Brasil): A24
Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro

Pode parecer pleonástico, mas todos os elementos feitos ou não materiais à construção na tela de Vidas Passadas (título original: Past Lives, 2023) (A24, 2024) confluem à reflexão, na maturidade, da vida constituída em seu lugar e concretizada ao movimento. A paleta predominante de cores frias indica a sobriedade do tratamento em especial psíquico da questão por Nora Moon/Na Young (Greta Lee e Seung Ah Moon), porque talvez dolorosamente remetida ao passado abandonado, porém ainda persistente ao tempo mnemônico da protagonista por ação de Hae Sung (Teo Yoo e Seung Min Yim). Se o sentido orientado da câmera com recorrência antagoniza os amigos à disposição constante de ambos os intérpretes em polos distintos de cada quadro, entre planos médios e primeiríssimos planos, o enquadramento cena a cena das principais personagens observa a distância emocional produzida à separação dos distantes parceiros de classe via migração da família Young ao Canadá. Doze anos após a saída da Coreia do Sul e em meio à tentativa de reaproximação efetivada por Sung em rede social, o foco na carreira literário-dramatúrgica e o desejo de transferência a um segundo país decididos por N. Young provocam outro quase definitivo afastamento até o reencontro final, depois de totais 24 anos, nos Estados Unidos.

Os adultos Hae Sung (Teo Yoo) e Nora (Greta Lee) reencontram efetivamente após 24 anos distanciados. As crianças que foram não mais existem. Foto: reprodução.

Neste sentido, a direção e o roteiro de Celine Song enfatizam a subjetividade fronteiriça do ser diaspórico qual drama central, considerada a ruptura mental, simbólica, linguística e também cultural processada à fuga ou ao êxodo escolhido do contexto sócio-histórico de formação. À nostalgia ou ao constrangimento do retorno ao país de origem e às relações natais, a visão da criança projetada via olhar infantil de Hae Sung precisa ser destruída por Nora para dar lugar àquela da adulta cuja dupla ou múltipla identidade agrega a transformação já em si operada de realidades por contingência externa. A menina re(x)istente da história conjunta partilhada como memória pertence a futuro não realizado no presente, pois apenas imaginado. A conexão com o amigo, nunca um amante, é o elo a romper em definitivo com a vida deixada no passado, porquanto o regresso perfaria o malogro dos sonhos constituídos à foraclusão das perdas sofridas, nome menos complexo a designar as dissociações vividas à dor da percepção não obstante denegada de sociabilidades cindidas e do sequestro parcial ou total de uma história coletiva desarticulada à desterritorialização ontológica da diáspora.

Síntese ou não da ficção americana, a sobrevivência em lugar diverso impõe a informação da pluralidade ou do trânsito identitário enquanto devir, e sê-lo exige experimentar o futuro ao que de ancestral é negociadamente presentificado. Past Lives faz-se exercício terapêutico-biográfico vigoroso de Song ao trabalho per se do desejo por viver o agora em contemporânea redescoberta.

Na imagem à esquerda, Hae Sung (Teo Yoo) e Nora (Greta Lee) aparecem enquadrados em rara proximidade. Já à direita, à presença do companheiro Arthur (John Magaro), Nora e Hae Sung distanciam-se cada vez mais, se é que próximos permaneceram após doze anos do reencontro via redes sociais. Fotos: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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