Um Corpo que Cai (1958) e Dublê de Corpo (1984): meios distintos para um mesmo fim?
Título original: Vertigo
Ano de lançamento: 1958
Duração: 128 minutos
País de origem: Estados Unidos
Gênero: suspense, romance, drama, mistério
Direção e produção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Alec Coppel e Samuel A. Taylor
Trilha sonora: Bernard Herrmann
Cinematografia: Robert Burks
Direção de fotografia: Robert Burks
Direção de arte: Herny Bumstead e Hal Pereira
Edição: George Tomasini
Distribuição: Paramount Pictures/Universal Pictures
Elenco: James Stewart, Kim Novak, Barbara Bel Geddes, Tom Helmore
Título original: Double Body
Ano de lançamento: 1984
Duração: 114 minutos
País de origem: Estados Unidos
Gênero: thriller psicológico
Direção: Brian De Palma
Roteiro: Robert J. Avrech e Brian De Palma
Trilha sonora: Pino Donaggio
Fotografia: Stephen H. Burum
Montagem: Gerald B. Greenberg e Bill Pankow
Distribuição: Columbia Pictures
Elenco: Craig Wasson, Melanie Griffith, Gregg Henry, Deborah Shelton
Dois filmes semelhantes, mas com usos de meios distintos para talvez um mesmo fim. Filme de Alfred Hitchcock (1899–1980) com roteiro adaptado de Alec Coppel (1907–1972) e de Samuel A. Taylor (1912–2000) do romance D’entre les morts (The Living and the Dead), de Pierre Boileau (1906–1989) e de Thomas Narcejac (1908–1998) (1954), Um Corpo que Cai (título original: Vertigo, 1958) traz o excelente James Stewart (1908–1997) como John “Scottie” Ferguson, um detetive aposentado compulsoriamente após um acidente de trabalho. Durante uma perseguição policial, por ser acrófobo (pessoa com medo extremo de altura), Scottie presencia, paralisado, a morte em serviço de um colega. Anos depois, Gavin Elster (Tom Helmore, 1904–1995), um velho conhecido, pede a Ferguson que vigie a esposa, em razão de seu comportamento errático. Elster teme as ideações suicidas da companheira Madeleine (Kim Novak), então assolada por um trágico passado familiar. Observador vigilante, J. Ferguson enamora-se por Madeleine e, apesar de incessante movimento (persuasor) contrário, novamente, não consegue evitar a morte, aqui, autoprovocada da amada pela acrofobia. Recuperado de um episódio depressivo agudo no ano seguinte à perda tão dolorosa, Scottie conhece Judy Barton (Kim Novak), por quem, dada a impressionante semelhança física com Madeleine Elster, torna-se-lhe obcecado e tenta, em outro corpo, reconstruir o amor perdido. Se, já nesta descrição, o cenário não parece favorável, bom, o desfecho é ainda pior.
Por outro lado, Dublê de Corpo (título original: Double Body, 1984), com direção e coautoria no roteiro de Brian De Palma, além da forte inspiração em Vertigo e em Rear Window (Janela Indiscreta, 1954), de A. Hitchcock (nas palavras de De Palma), abarca a história de Jake Scully (Craig Wasson), ator cuja claustrofobia impede-o de continuar no papel protagonista de um longa de terror B. Traído em flagrante pela companheira e fora de casa, Scully encontra Sam Bouchard (Gregg Henry), conhecido que lhe oferece abrigo temporário na dita mansão de outro amigo em troca da guarda do espaço durante uma viagem, usando como atrativo a vizinha exibicionista Gloria Revelle (Deborah Shelton). Obcecado pelo show coreográfico (e masturbatório) diário de Revelle, Scully nota a ameaçadora presença de um voyeur e, receoso do perigo representado à mulher, persegue-a ele mesmo para avisá-la, sem, no entanto, conseguir evitar seu assassinato, embora testemunha.
Ambos, Scully e Scottie, foram envolvidos nas mortes das respectivas personagens que acompanham, mas estabeleço, então, as diferenças. Não relatei no 1º parágrafo, mas Judy Barton fingiu ser Madeleine Elster, porque paga por Gavin Elster e, mesmo diante da oportunidade de afastar-se de Ferguson, aceitou transformar-se novamente em M. Elster para viver um romance com o novo amado. Aquele marido tramara o feminicídio da companheira, objetivando apoderar-se de sua fortuna. Além da verdadeira e vitimada senhora Gavin Elster, Barton, a qual concordou em assumir quem nunca fora a fim de encarnar a idealização do amante perturbado e em luto como forma de aproximá-lo, uma vez revelada a farsa e a trama anterior, morre como punição. Em Dublê de Corpo, tanto Gloria Revelle quanto Holly Body (Melanie Griffith) são igualmente punidas por mortes violentas. Contudo, a ironia deste 2º nome desvela, a meu ver, a crítica tecida por De Palma ao sistema de estrelas, de privilégios e de prestígios seletivos de Hollywood e, por isso, estiliza a si próprio enquanto estratégia de exposição do tropo moral-misógino da indústria cinematográfica.
Similarmente ao processado em Vertigo, H. Body é uma atriz pornô contratada por Sam Bouchard para envolver Scully no feminicídio de G. Revelle — esposa ou amante, não é possível saber — , porém como parte do enredo do filme ainda protagonizado pelo ator não-sabemos-mais-se-verdadeiramente claustrofóbico. Junto à câmera 360°, aos jogos de luz e de sombra, aos duplos (morais), às trilhas sonoras monumentais, aos diótropos variáveis e aos planos divididos em tela (split screen), caraterísticas a guardar dos estilos de Hitchcock e De Palma, as mortes violentas cumprem, perceberão, funções distintas. Se pedagógicas e/ou reprodutoras da censura à ação de mulheres no mundo (questionáveis ou não), em virtude de papéis sociais de gênero para um retrato único em um caso, no outro, ao menos na obra em questão, os excessos envolvendo a construção do arco dramático das personagens femininas re-estilizam o tropo misógino da velha Hollywood representada (não disse reproduzida por crença) por Hitchcock ora em tom crítico, ora reprodutor autoafirmatório, qual autoconsciente, da mesma lógica, dado o pertencimento ao campo — ou seria apenas produto da frustração pelo alegado fracasso dos filmes de De Palma, a partir do boicote sentido da engrenagem hollywoodiana? — . Meios distintos para um mesmo fim ou não, reconheça-se a presença do olhar masculino sobre as diferenças no próprio estabelecimento da indústria e as respectivas influências no tocante à construção de subjetividades e de imaginário específicos.
Enfim, conclusões após apreciar as duas obras — excelentes, diga-se de passagem — . Fica o convite à audiência e ao diálogo.