Transtorno Explosivo: a inabilidade adulta pode ser medida ainda mais melancólica ao sofrimento infantil
Título original: Systemsprenger
País de origem: Alemanha (2019)
Duração: 125 minutos
Gênero: drama
Direção e roteiro: Nora Fingscheidt
Produção: Peter Hartwig, Jakob D. Weydemann e Jonas Weydemann
Direção de fotografia: Yunus Roy Imer
Montagem: Stephan Bechinger, Julia Kovalenko e Iman Rahimi
Trilha sonora: John Gürtler
Distribuição (Brasil): Imovision
Elenco: Helena Zengel, Albrecht Schuch, Gabriela Maria Schmeide, Lisa Hagmeister
Um retrato fílmico contundente e desesperançoso nunca dantes visto. Em Transtorno Explosivo (título original: Systemsprenger; título em inglês: System Crasher) (Imovision, 2019), Benni (Helena Zengel) é uma menina cuja agressividade exacerbada fê-la ser afastada do convívio materno/com a família de origem, medida reflexa a importantes traumas de desenvolvimento sofridos ainda na primeira infância. Entre transferências institucionais e internações psiquiátricas intermitentes, nada anterior à chegada de Michael “Micha” Heller (Albrecht Schuch), acompanhante escolar e especialista em controle de raiva, foi capaz de aplacar as explosões irascíveis de um temperamento impetuoso. Considerando-se as repercussões nada desprezíveis sobre o comportamento infantil do abandono e da violência parentais e as dificuldades interpostas, mais frustrante é constatar a real inabilidade adulta em oferecer, a partir da escuta e do cuidado empáticos, o afeto e a atenção antes ansiados.
O plano detalhe de abertura do longa seria o mote da série de contradições experimentadas ou a experenciar à audiência, qual já não é a vivida por Bernadette. Enquanto os tons sempre vibrantes das cores secundárias e terciárias predominantes nos figurinos da pequena apontam a permanência em uma infância no entanto roubada às traumatizações e à negligência familiar, a composição do rosa escuro com uma personalidade geniosa vem destacar a fuga representada a uma performance social de gênero aguardada a meninas educadas à apatia ou à servitude. A câmera instável, explicitadora de um presente envolto em incertezas e em incompreensão, denota o turbilhão sentimental incessante a que alguém tão jovem termina por solitariamente enfrentar. Se curioso parece ser o toque — movimento, aliás, afetivo — ao rosto elemento engatilhador de um surto a esta altura psicótico, perplexidade deveria acrescentar sua breve superação por meio do carinho de um bebê, ser senciente e não afetado à adultez.
A liberdade ao vento pode ser fim redimível à decadência psíquica de Benni, mas faz-se pessimista, porquanto na realidade dever-se-ía instalar. Suscite Systemsprenger reflexões adultas ao reconhecimento das subjetividades de crianças, porque sujeitas de direitos e com dignidade a preservar. Passe-se à ação e à ruptura de ciclos geracionais de sofrimento, ou o futuro estará condenado. A diretora e roteirista Nora Fingscheidt realiza uma necessária convocação.
Visto para o Clube do Crítico.
P.S.: inevitável não estender o debate às infâncias não brancas, em especial, negras. Se com uma branca garota, qualquer tentativa foi inábil, meninos negros, em particular, seriam, senão institucionalizados e abandonados aos racismo estatal, médico e penal-criminal, genocidados.