The Flash: a vida é a intersecção inevitável

Thainá Campos Seriz
3 min readJun 19, 2023

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Pôster oficial do longa-metragem “The Flash”, uma produção DC Comics. Foto: reprodução.

Direção: Andy Muschietti
Produção: Walter Hamada, Richard Suckle, Peter Safran e Barbara Muschietti
Roteiro: Christina Hodson
Elenco: Ezra Miller, Maribel Verdú, Kiersey Clemons, Ben Affleck, Michael Keaton e Sasha Calle

O que você mudaria, se pudesse voltar no tempo? Caso tivesse a chance, você alteraria parte do passado para não ter de viver, por exemplo, um luto trágico? Quem você seria, hoje, se pudesse alterar o passado? Você ainda seria quem é com as cicatrizes deixadas pelo passado que não cessa? Além da dor, quem você é? Estas são algumas das questões descortinadas por The Flash (DC Films; Atlas Entertainment, 2023), longa do Universo DC Comics que não apenas redime os fiascos de Adão Negro (2022) e Shazam! Fúria dos deuses (2023), como, a meu ver, melhor atualiza e até complexifica os multiversos de seara cinematográfica homóloga ao debater sobre a passagem ou não do tempo a quem revive incessantemente o passado por não reconhecer o presente como espaço para a própria vida depois da dor.

Os alívios cômicos e o timing inteligente de Ezra Miller na composição de um duplo Barry Allen/Flash em distintas fendas temporais são o centro que, nevrálgico, completa a precisa direção de Andy Muschietti (It) na sensível condução da história desbravada pelo excelente roteiro de Christina Hodson (Bumblebee), narrativa por sua vez embalada pelo uso preciso de trilha sonora eletrizante no estopim de ações-chave (perdoem a falta de criatividade no trocadilho) e por direção de som primorosa. Parte inacabada, mal-finalizada ou de exagero intencional, os efeitos especiais deixariam a desejar — e o fizeram, não se enganem — , se as presenças de Sasha Calle (Supergirl) e o eterno Michael Keaton (Batman) não fechassem o bom circuito de importantes reflexões dispostas na grande tela.

Pôster promocional do longa The Flash. Foto: reprodução.

Sem dúvida, melhor seria não sofrer a dor de uma perda trágica no momento talvez mais conturbado da vida, como a transição da infância para a adolescência. Melhor seria poder contar com as pessoas amadas — neste caso, a mãe — em cada etapa de nossas trajetórias. Quando nos faltam, a dor de viver (com) a ausência pode ser irreparável, e é, caso seja impossível parar de vivê-la. Ainda assim, apenas a concretude de um passado tão doloroso pode ser matéria (mais) sólida à construção de presente diverso, embora não menos apaziguador. Sofrimento não é pedagógico, ou não deveria ser, mas é parte da vida. Esta é a intersecção inevitável. Sejamos capazes de falar além de nossas cicatrizes para forjar nova vida e o bem-viver, apesar da dor.

Não nos esqueçamos de Ezra Miller. Somente o privilégio branco explica a decisão inabalável pela continuidade das filmagens e pelo protagonismo de pessoa cuja vida privada é marcada pela confissão e pela condenação de crimes que variam de agressão a desacato à autoridade, invasão à propriedade privada, resistência à prisão, assédio e abuso sexual de mulheres e crianças. Já homólogos negros e não brancos, por sua vez, não têm a generosa oportunidade de uma segunda chance, mesmo quando, a variar a gravidade das condutas apensadas, nem mesmo ainda tenha havido uma acusação formal e o respectivo indiciamento das partes, o julgamento de qualquer ação penal ou, finalmente, eventual sentença condenatória transitada em julgado. Em outro caso, dez anos de afastamento do rol de votações dos membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e da presença em eventos foram preferíveis a pedido de expulsão quase unânime, para não falar do adiamento e/ou da paralisação de projetos em curso. (Ost)racismo mais familiar, impossível.

Privilégio branco é também desaparecer e, após dois anos, declarar, desculpando-se, que tudo não passou de “problemas complexos de saúde mental”. Seguimos?

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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