Tempos de Barbárie — Ato I: Terapia da Vingança: problemas complexos não requerem soluções fáceis (ou mesmo vingança)

Thainá Campos Seriz
4 min readAug 17, 2023

--

Pôster oficial de “Tempos de Barbárie — Ato I: Terapia da Vingança”. Foto: reprodução.

Direção: Marcos Bernstein
Roteiro: Marcos Bernstein, Victor Atherino e Paulo Dimantas
Produção: Katia Machado, Alex Mehedff, Gualter Pupo, Luis Vidal e Marcos Bernstein
Empresas produtoras: Hungry Man, Pássaro Films e Neanderthal MB
Coprodução: Globo Filmes
Distribuição: Paris Filmes
Produtor associado: Fernando Meireles
Produção executiva: Carolina Aledi, UPEX e Mário Diamante
Direção de fotografia: Gustavo Hadba
Direção de arte: Tiago Marques
Montagem: Tainá Diniz, Danilo Lemos e Marcelo Moraes
Trilha sonora original: Lucas Marcier, Fabiano Krieger e Rogério da Costa Jr.
Som direto: Jorge Saldanha
Edição de som: Beto Ferraz
Produção de elenco: Marcela Altberg
Figurino: Valeria Stefani
Caracterização: Auri Mota
Elenco: Cláudia Abreu, César Mello, Giovana Lima, Júlia Lemmertz, Alexandre Borges, Marcos “Kikito” Junqueira, Pierre Santos, Adriano Garib, Claudia Di Moura, Roberto Frota

Um título a justificar o próprio longa e um início promissor, porém fracassado marcam o início de “Tempos de Barbárie — Ato I: Terapia da Vingança” (Paris Filmes em coprodução Globo Filmes, 2023), lançamento nacional dirigido por Marcos Bernstein (“Central do Brasil”, “Meu Pé de Laranja Lima”), também coautor do roteiro escrito em parceria com Victor Atherino e Paulo Dimantas, e estrelado por Cláudia Abreu, César Mello, Giovana Lima, Júlia Lemmertz e Alexandre Borges. Abreu é Carla, advogada que perde a filha Bruna (Giovana Lima) em decorrência de um assalto à mão armada no Rio de Janeiro e, inconformada ante o aparente destino da pequena, empreende uma verdadeira caçada em busca dos responsáveis por ambas as mortes — sua e de Bruna — . A escolha da cidade para ambiente deste drama de ação seria não apenas óbvia, como, infelizmente, automática, pois tão belo cenário já não mais esconde entre a topografia o horror ao qual todas e todos estão aqui submetidos, embora haja mais mortes provocadas não no asfalto, mas nos morros. Não julgarei a dor de uma mãe sucumbida à irá e ao desejo irrefreável de vingança enquanto maneira de aplacar o sofrimento, mas questionarei, sim, alguns dos caminhos contornados.

Frame de “Tempos de Barbárie — Ato I: Terapia da Vingança”. Em tela, as personagens Carla (Cláudia Abreu), à frente, e Bruna (Giovana Lima), ao fundo. Foto: Mariana Vianna.

O numeral no título do filme infere, creio, a continuação em uma 2ª parte e, por isso, como a vida, minha opinião não será definitiva. Conclusão óbvia — e escreverei o mesmo vocábulo e variações, ao lado de “escolhas”, ainda outras vezes — é que, apesar de eventual nascimento em berço de classe média (alta), o corpo a ser primeiramente tombado na linha atrás ou não de uma arma será, sempre, o negro — aqui, o de Bruna e o de Beicinho (Marcos Junqueira) — . Este, diga-se de passagem, era alvo da implacável perseguição de uma mulher branca (Carla) cujo único e incontestável sofrimento superava até mesmo o da contraparte negra, seu companheiro de vida e pai de Bruna (papel de César Mello). Se Natália (Júlia Lemmertz) acertava em multifacetar a responsabilidade pela escalada da violência e, consequentemente, do número de mortes violentas por arma de fogo — o registro de porte e de posse de armas cresceu acima da série histórica durante o governo de Jair M. Bolsonaro (2019–2022) — , no entanto, o racismo determinou a escolha da morte pioneira.

Não obstante as relações entre crime organizado e forças estatais sejam desveladas, fato é que, a partir do poder financeiro, Carla mobilizou, entre parte do aparato de Estado — polícias são o braço armado — , a violência e o justiçamento para, individualmente, fazer cessar a memória de uma vida sem a pessoa amada. Justiça, por outro lado, é impedir o acréscimo de novas vítimas e de novos sobreviventes entre assassinatos societariamente chancelados por ação coletiva. A força desta mãe, porque drenada para si, não se distingue daquela (des)organizada pela escória fascista em benefício exclusivo e de seu grupo, e os insistentes close-ups, planos holandeses (inclinados) e flashforwards contribuem à demonstração desta obviedade — seria a bandeira brasileira tremulante sob o hino nacional uma gag para adiantá-la? — . Por fim, não é preciso dizer o quão cruel parece ser a tentativa de fazer o herói, no caso, a heroína Natália, pessoa forte do processo intenso de luto de Carla, viver (os planos de outrem) o suficiente para vê-la transformada em vilã, quase na mesma toada de The Dark Knight (Christopher Nolan, 2008).

Frame de “Tempos de Barbárie — Ato I: Terapia da Vingança”. Em tela, da esquerda para a direita, as personagens Natália (Júlia Lemmertz) e Carla (Cláudia Abreu). Foto: Mariana Vianna.

Conservadas as evidentes diferenças, ainda que compreenda a ambiguidade necessariamente fabricada, a imposição do destino ou da crença pungentemente encenados por Cláudia Abreu mostra-se fácil, quando assumir as consequências por escolhas feitas sob a dor do sofrimento é fazer a escolha planejada pelo próprio fim. Conforme já disse, este é ou pode ser o início construidamente óbvio para uma crítica como esta minha, mas espera-se que o/um “Ato II” fuja à solução fácil de problemas tão complexos.

Frame de “Tempos de Barbárie — Ato I: Terapia da Vingança”. Em tela, a personagem Carla (Cláudia Abreu). Foto: reprodução.

“Tempos de Barbárie — Ato I: Terapia da Vingança” estreia hoje, dia 17/8, nos cinemas.

--

--

Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

No responses yet