Tangerina: poente alaranjado da cidade Los Angeles ilumina desilusão do sonho americano ao triunfo das negras travestilidades em longa seminal de Sean Baker

Thainá Campos Seriz
3 min readJun 12, 2024

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Pôster promocional de “Tangerina” (título original: “Tangerine”, 2015) (Zeta Filmes, 2016), longa dirigido por Sean Baker e corroteirizado por Chris Bergoch e por Sean Baker. Foto: reprodução.

Título original: Tangerine
País de origem: Estados Unidos (2015)
Duração: 98 minutos
Gênero: comédia; drama; crime
Direção: Sean Baker
Roteiro: Chris Bergoch e Sean Baker
Fotografia: Radium Cheung e Sean Baker
Montagem: Sean Baker
Figurino: Shih-Ching Tsou
Distribuição (Brasil): Zeta Filmes
Elenco: Kitana Kiki Rodriguez, Mya Taylor, James Ransone, Mickey O’Hagan, Karren Karagulian

O belo alaranjado do poente da glamourosa cidade de Los Angeles fenece em brilho à desilusão do sonho americano. Partilhá-lo ideia e realidade apresenta-se escolha de facto concreta a quem entre a rua não precise forjar a sobrevivência própria ou a de iguais.

Na imagem, as amigas Alexandra (Mya Taylor, à esquerda) e Sin-Dee Rella (Kitana Kiki Rodriguez). Foto: reprodução.

Em Tangerina (título original: Tangerine, 2015) (Zeta Filmes, 2016), Alexandra (Mya Taylor) confessa a Sin-Dee Rella (Kitana Kiki Rodriguez), então recém-egressa do sistema prisional, a traição de Chester (James Ransone), noivo e cafetão da amiga. Enraivecida com a descoberta e disposta a retornar tamanha ofensa, as companheiras singram a cidade à procura da amante de nome iniciado em D… (Mickey O’Hagan) em dia duplamente importante. Sob a colina a abrigar o mais célebre outdoor do cinema mundial, a passagem ponto a ponto das parceiras é captada à ansiedade das revoluções dos vários travellings executados às câmeras dos iPhones 5S do diretor-corroteirista Sean Baker e de Radium Cheung, cujos close-ups em grandes angulares supertensionam a travessia mesma empreendida por ambas as protagonistas em uma tarde-noite.

Travestis, pessoas negras e profissionais do sexo, as personagens de Mya Taylor e de Kitana Kiki Rodriguez metonimizam dramas ameaçadores à existência e à garantia de suas dignidades, pois envidados todos ao confronto com modalidades (veladas e explícitas) de violência transfóbico-misógina e com a opressão à pobreza. Desde o perigo transfeminicida interposto à raci-hierarquia, quando não laboral, de classes até a referência pejorativa ao gênero morto e o fetichismo de uma adoração genitalista quase idólatra, as reviravoltas ocorridas à dupla equilibram resiliência, desafios, reveses e conquistas possíveis ora à insegurança feita conhecer da perda do amor — aquele a reconhecê-la em singularidade — e ao desejo da vida artística, passaportes quais seriam de saída às adversidades debeladas. Ainda na história vista de baixo (Thompson, 1966) proposta ao roteiro de Chris Bergoch e de S. Baker, a questão indígena e a xenofobia migratória anti-armênia, senão elaboradas, imiscuem-se à nota mobilizada sobre as contraditórias interdições propagadas às liberdades individuais refletidas na hipocrisia patriarcal de apelo à unidade familiar, à submissão feminina e à repressão sexual masculina, não obstante replicada às mulheridades cisgêneras, bem como o ódio persecutório às minorias.

Recém-egressa do sistema prisional, Sin-Dee Rella (Kitana Kiki Rodriguez) descobre pela amiga Alexandra (Mya Taylor) que Chester (James Ransone), seus noivo e cafetão, traíra-a como uma amante de nome iniciado em D… (Mickey O’Hagan). Em uma tarde-noite, a busca das amigas aproxima-se do exercício de humanidade que perfaz a realização dos sonhos negados a quem precisa sobreviver na e da rua. Fotos: reprodução.

Frenética ao ritmo urbano, a montagem de Sean B. acerta ao não sensacionalizar pequenas ou grandes tragédias no destaque antes cedido à pluralidade uma vez agregada a um só território. À linha cômico-dramática, Tangerine realiza-se elogio potente às humanidades nunca desistentes de si e à busca das dissidências à autodeterminação.

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Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Podcaster no ObSessões de Cinema.