Sugarcane: autoficcionalização histórica persegue elã reparador a passado colonial anti-indígena canadense em contundente documentário sobre a promiscuidade Estado-Igreja Católica no jugo às populações originárias das Américas
Título: Sugarcane
País de origem: Canadá (2024)
Duração: 107 minutos
Gênero: documentário
Direção: Julian Brave NoiseCat e Emily Kassie
Produção: Emily Kassie e Kellen Quinn
Fotografia: Christopher LaMarca e Emily Kassie
Montagem: Nathan Punwar e Maya Daisy Hawke
Música: Mali Obomsawin
Som: Andrea Bella
Distribuição (Brasil): Disney+
Elenco: Julian Brave NoiseCat, Ed Archie NoiseCat, Willie Sellars, Charlene Belleau, Whitney Spearing, Rick Gilbert, Anna Gilbert
A descoberta de possíveis 215 covas ocultas em cemitério alocado na propriedade da escola residencial missionária Saint Joseph é estopim da busca que registra no documentário Sugarcane (National Geographic e Variance Films, 2024) (Disney+, 2025) o duplo movimento de sobreviventes e de descendentes indígenas da etnia Williams Lake pela responsabilização do passado secular de horrores, de abusos e de negligências desferido ao jugo católico. Síntese de luzes cujos raios pouco iluminaram o Novo Continente nos Oitocentos, a política racialista canadense perseguiria a assimilação para o genocídio dos grupos originários do país como medida do branco triunfo civilizatório europeu em período pós-emancipações americanas. Contrárias à resiliência epigenética de traumas históricos, as personagens do filme dirigido por Julian Brave NoiseCat e por Emily Kassie autodeterminam cuidadoso processo intracomunitário de diálogos e de reconciliação em confronto ao legado revulnerabilizador via memória, verdade e justiça.
O percurso por distintas trajetórias faz compreender a extensão traumática da ruptura de ancestrais sociabilidades ao desenraizamento ontológico-cultural promovido ante a sanha catequizadora e do desalento experienciado ao silêncio outrora compulsório sobre as violências sofridas. Por fim, a interrupção do ciclo de sofrimentos geracionais envolve o afã reparatório pró-estatal às violações contra a dignidade coletiva e a latentes dores familiares, quando observadas perspectivas mais individualizantes. A reconhecer-se a importância de ações efetivamente concretas de governos, de instituições civis e de atores sociais na cura de economia afetiva sanguinolenta, celebre-se a autoficcionalização histórica enquanto instrumento reengajador das humanidades e da agência política de maiorias minorizadas em todo o mundo.