Sob a Pele: socialização feminina equipara-se a viver alienígena da própria humanidade em longa sci-fi de terror de Jonathan Glazer

Thainá Campos Seriz
3 min readAug 27, 2024

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Pôster promocional de “Sob a Pele” (título original: “Under the Skin”, 2013) (Paris Filmes, 2014), longa dirigido por Jonathan Glazer e roteirizado por Walter Campbell e por Jonathan Glazer em adaptação ao romance homônimo de autoria de Michel Faber (2000). Foto: reprodução.

Título original: Under the Skin
País de origem: Reino Unido (2013)
Duração: 108 minutos
Gênero: ficção científica; thriller
Direção: Jonathan Glazer
Roteiro: Walter Campbell e Jonathan Glazer
História original: Michel Faber (2000)
Produção: James Wilson e Nick Wechsler
Fotografia: Daniel Landin
Montagem: Paul Watts
Direção de arte: Chris Oddy
Trilha sonora: Micachu (Mica Levi)
Figurino: Steven Noble
Distribuição (Brasil): Paris Filmes
Elenco: Scarlett Johansson, Adam Pearson, Jeremy McWilliams, Lynsey Taylor Mackay

Intencional ou não, Sob a Pele (título original: Under the Skin, 2013) (A24, StudioCanal e Paris Filmes, 2014) assume enquanto objeto criativo o escrutínio visual da experiência de socialização feminina. A abertura impactante da vez de Jonathan Glazer relaciona o processo fisiológico de decodificação imagética com o trabalho sobre uma política do olhar via alteridade. Construto aqui replicador da lógica outricida (ver Morrison, 2016), o rasgar sintetizado das cordas de um violino justaposto à percussão na trilha sonora de Micachu (Mica Levi) emula a aparente inflexibilidade subjetivo-gestual do humanoide de Scarlett Johansson, cuja chegada à (T)erra envolve o reinício de caçada heteroatribuída por presas masculinas. Revelados potenciais, os parceiros seriam atraídos à compleição branca, magra e heterocissexual da protagonista e sucumbiriam ao quase desenlace do intercurso sexual em limbo similar ao da decadência vivida por mulheres ante desejos frustrados por visão fragmentária, ou tão só objetificadora, da própria inteireza.

O aprendizado das emoções e da humanidade na vida heteroatribuidamente predatória de homens na Terra aproxima a alienígena envidada por Scarlett Johansson das agruras da socialização feminina. Fotos: reprodução.

Se o excesso de close-ups imprime em tela tamanha fragmentariedade, o encerramento algo claustrofóbico em quadro conclui acerca da expectativa da queda à opressão ou à violência de gênero. Estranho, o encontro com masculinidades gentis e, por isso, alienígenas em meio a aprendizado diverso — inclua-se as imigrantes e as de pessoas com deficiência, qual o caso da personagem de Adam Pearson — desencadeia à primeira vista esforço aniquilatório de perigo inversamente semelhante, sendo o despertar de emoções humanas elemento tensionador das sobredeterminações masculinistas alegorizadas pelo motociclista desconhecido. O toque tentado equânime dos corpos entre o sexo consentido e a assunção emocional equiparar-se-iam ao sentir de sabores talvez amargos a quem jamais pôde experimentar a humanidade, ao que a fuga assustada de volta à solidão da mata fechada do inconsciente constituir-se-ia estratégia de autodefesa. Uma vez flanqueada a fortaleza (refeita) interior, o sistema de impenetrabilidade aprendido a edificar em uma vida sofre em agora repelir as novas ameaças constituídas ao Eu(-mulher) e, sob silêncio, as cinzas da destruição do fogo alheio àquela transgressão despontam no céu claro.

O horror transforma covardes em brutos (ver Conrad, 1899; 1902) e as existências dissidentes em coisas, porque desprovidas de dignidade. No racipatriarcalismo especista vigente, mesmo a animais a empatia vincula-se condicionável à capacidade de subserviência. Quando não sondadas por seu caráter animalesco, às criaturas cabe a misericórdia então inquisidora do retorno à natural ordem da desigualdade. Dizimáveis a quaisquer critérios, melhor é criar as condições de existir além-reservas.

Disfórica, a uma vez tentada existência humana fá-la-ia retornar à natureza, espaço menos hostil à diferença. Pela ousadia em seduzir e em dizimar homens cobraria, no entanto, um preço pago a fogo. A este respeito, K. Marx (1852) concluiria que a história repete-se como farsa. Fotos: reprodução.

Visto no Clube do Crítico 27.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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