Saltburn: o que individual é, individual fica e, por isso, limita-se a cumprir este papel

Thainá Campos Seriz
3 min readDec 26, 2023

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Pôster promocional de “Saltburn” (Amazon MGM Studios, 2023), longa com direção e roteiro da vencedora do Oscar Emerald Fennell (Promising Young Woman, 2020). Foto: reprodução.

Título original: Saltburn
Países de origem: Estados Unidos e Reino Unido (2023)
Duração: 131 minutos
Gênero: thriller psicológico; comédia ácida
Direção e roteiro: Emerald Fennell
Produção: Emerald Fennell, p.g.a.; Josey McNamara, p.g.a.; e Margot Robbie, p.g.a.
Produção executiva: Tom Ackerley
Direção de fotografia: Linus Sandgren
Música: Anthony Willis
Montagem: Victoria Boydell
Distribuição: Amazon MGM Studios
Elenco: Barry Keoghan, Jacob Elordi, Rosamund Pike, Richard E. Grant, Alison Oliver, Archie Madekwe, Carrey Mulligan

Sem dúvida, Saltburn (Amazon MGM Studios, 2023) limita-se a ser o que é: superficial. Com direção e roteiro de Emerald Fennell (Promising Young Woman, 2020), o longa traz como protagonista o jovem ingresso de Oxford Oliver Quick (Barry Keoghan), cuja tentativa de inserção em aristocrático meio universitário desvela uma ilimitada obsessão pelo milionário colega de classe Felix Catton (Jacob Elordi). Assim rapidamente forjada, a amizade com Catton leva Quick a Saltburn, mansão da excêntrica família da personagem de Jacob Elordi e sede de outros tão inusitados acontecimentos quanto a improvável aproximação.

A imagem à esquerda é representativa da obsessão destilada por Oliver Quick (Barry Keoghan) sobre Felix Catton (Jacob Elordi). À direita, O. Quick, um ainda jovem ingresso de Oxford. Fotos: reprodução.

A escolha por flashforwards na elaboração do fluxo narrativo permite reconstruir o aparente vazio da vida sem privilégios do absorto protagonista no contraste mesmo de cores e de sombras entre os ambientes acadêmico e doméstico. Enquanto a imponência aristocrática de Saltburn revelava interiores assimétrica e vibrantemente coloridos ao então soturno convidado, o abuso de uma oportunizaria o sombrio desabrochar de outro. Fennell muito bem-localiza a ansiedade de uma juventude a qual, porque ainda enredada ao sistema racial-castista do trabalho no capitalismo globalizado moderno, teme a negação ao acesso a privilégios de classe — em especial, aos ativos simbólicos — e transforma-os em imagem.

Na imagem, Venetia (Alison Oliver), Felix (Jacob Elordi), Ollie (Barry Keoghan) e Farleigh (Archie Madekwe) em momento descontraído da insana, porém tensa festa de aniversário do protagonista. Foto: reprodução.

Sexo é poder, e o desejo (sexual) é, aqui, ferramenta de foraclusão e de manipulação psicológica para fins dominativos. Neste sentido, as rimas visuais em parte predominantes no segundo ato permitem, ao menos, paranoicamente, realizar a superação classista efetivada no congênere derradeiro, aliás, obtida por mecanismo clássico de mortes (ou de assassinatos?) em série. Imobilizante, o ódio evidenciado é antes inócuo, em razão da perspectiva individualista de uma problemática social e, por isso, em última medida, conserva-se mantenedor do regime de acumulação capitalista (ideopolítico-simbólico-financeiro) vigente — Paulo Freire (1921–1997) sorriria ante o exemplo oferecido de educação informadora, ou antipedagógica, de novos opressores — . A produção encaixa-se em nicho temático recém-explorado a fim de no hype surfar, já que não deve oferecer soluções à questão estrutural, e fá-lo bem, dadas as excelentes fotografia e decupagem (Linus Sandgren) e a boa compreensão do próprio papel, ou seja, nenhum, porquanto sem profundidade.

O filme estabeleceu-se à superficialidade de um retrato talvez desejosamente individual, pois sabidos os limites e exercício somente visual de elucubrações, e propõe-se a nada além, sendo até dispensável. O filme ansiado não é o decorrido em tela, e se Saltburn não se leva a sério, incompreensíveis são eventuais intenções diversas.

Quick (Barry Keoghan) encara a Saltburn dos sonhos de verão — e da vida. Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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