Rustin: histórias internas de apagamentos precisam ser pedagógicas à formação de novos consensos

Thainá Campos Seriz
3 min readNov 30, 2023

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Pôster promocional de “Rustin” (Netflix, 2023), longa com direção de George C. Wolfe. Foto: reprodução.

Título original: Rustin
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 108 minutos
Gênero: drama; biografia
Direção: George C. Wolfe
Roteiro: Julian Breece e Dustin Lance Black
História original: Julian Breece
Produção executiva: Barack Obama, Michelle Obama, David Permut, Alex G. Scott, Daniel Sladek, Chris Taaffe e Mark R. Wright
Produção: Bruce Cohen (p.g.a), Tonia Davis (p.g.a) e George C. Wolfe
Direção de fotografia: Tobias A. Schliessler
Direção de arte: Travis Kerr
Trilha sonora: Branford Marsalis
Edição: Andrew Mondshein
Distribuição: Netflix
Elenco: Colman Domingo, Aml Ameen, Chris Rock, Jeffrey Wright, Audra McDonald, Glynn Turman

Talvez tenha aguardado sobremaneira o Rustin (Netflix, 2023) de George C. Wolfe (A Voz Suprema do Blues, 2020) e, por isso, as letras a seguir serão mais emocionais. Aguardei-o ansiosa, pois a trajetória de Bayard Rustin (1912–1987) faz-se pedagógica às consequências do apagamento histórico de parte da intelectualidade de organizações sociais da luta pró-direitos civis via reprodução interna das violências estruturais ditas enfrentadas e a desarticular. Idealizador da até hoje celebrada Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade (1963) e principal influência política pelo pacifismo de Martin Luther King Jr. (1929–1968), B. Rustin tem sua expoente biografia ativista enfim reabilitada e, agora, eternizada em imagem.

À esquerda, o incontornavelmente carismático Colman Domingo dá vida ao ativista negro antirracismo e anti-LBTI+fobia Bayard Rustin (1912–1987), que aparece na imagem à direita. Fotos: reprodução.

O roteiro da dupla Julian Breece e Dustin Lance Black envida os embates travados entre as lideranças de maior expressão das entidades representativas do ativismo negro do período pela centralidade das articulações nacionais e as deploráveis tentativas de descrédito homofóbicas efetuadas por correligionários e por inimigos da causa à atuação protagonista de Rustin, em especial, no trabalho de base. Igualmente enfrentado com coragem, o dilema das alianças intergrupos encontra na voz, no corpo e no carisma incontestável de Colman Domingo uma sugestiva, porém ancestral solução: à imposição de hegemonia, o afastamento. A nota biográfica do longa limita-se à explicitação em tela de marcos temporais e de personalidades cuja relação pessoal e/ou militante constitui-se primaz à global compreensão do papel de destaque da personagem de Domingo frente aos movimentos sociais negros e à organização da Marcha de 1963, sempre reafirmado pela predominância de primeiros e de médios planos ao retrato do bem-iluminado intérprete de B. Rustin ao centro de cada quadro.

Tributário ao irrestrito comprometimento com o fazer político antirracista, o sacrifício à pessoalidade e ao amor (homoafetivo) é agridoce e sublimada consecução ao feito, sobretudo quando no auge da disposição política individual de luta. Se o trabalho em prol de direitos e de garantias legislativo-constitucionais deve ser esforço autoconscientemente coletivo, a autoafirmação das subjetividades também o é. O reforço a hierarquias de opressão (Audre Lorde, 1983) fagocita a formação de consensos e a construção do comum entre grupos oprimidos, servindo tão só à perpetuação da supremacia e do poder brancos. Além de resgate histórico reparatório, Wolfe acerta em recordar tão fundamental lição em período reanimado de ameaças a conquistas e à consolidação democrática — qualidade maior desta produção — .

Confira Rustin, agora, no streaming (Netflix).

O brilhante Colman Domingo como o Bayard Rustin (1912–1987) triunfal à entrada do Lincoln Memorial. Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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