Retrato de um Certo Oriente: memória é espaço de resgate das diferenças pelo triunfo da vida às humanidades em adaptação cinematográfica da obra de Milton Hatoum

Thainá Campos Seriz
3 min readOct 28, 2024

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Pôster promocional de “Retrato de um Certo Oriente” (O2 Play, 2024), longa dirigido por Marcelo Gomes e roteirizado por Maria Camargo, por Gustavo Campos e por Marcelo Gomes em adaptação ao romance “Relato de um Certo Oriente”, de autoria do escritor brasileiro-libanês Milton Hatoum (1989). Foto: reprodução.

Título: Retrato de um Certo Oriente
Países de origem: Brasil e Itália (2024)
Duração: 92 minutos
Gênero: drama
Direção: Marcelo Gomes
Roteiro: Maria Camargo, Gustavo Campos e Marcelo Gomes
História original: Milton Hatoum (1989)
Produção: Guilherme Coelho, Mariana Ferraz e Ernesto Soto Canny
Fotografia: Pierre de Kerchove
Montagem: Karen Harley
Música original: Mateus Alves, Piero Bianchi e Sami Bordokan
Direção de arte: Marcos Pedroso e Caterina Pepe
Figurino: Rô Nascimento, Maria Diaz e Fabio Cicolani
Distribuição (Brasil): O2 Play
Elenco: Wafa’a Celine Halawi, Charbel Kamel, Zakaria Kaakour, Eros Galbiati, Rosa Peixoto

Preocupação central de Retrato de um Certo Oriente (O2 Play, 2024) é criar-se visualidade da prosa quase homônima de autoria de Milton Hatoum (1989). Às escolhas estéticas, vide a adoção do preto e branco e a razão de aspecto reduzida, o longa afiança-se registro histórico, pois inscrição temporal dos fatos como narrados, ou relatados, à obra-base. Ainda em tela, o enquadramento a ângulos altos ou baixos e a decupagem constroem a nevrálgica oposição de Emir (Zakaria Kaakour) e de Emilie (Wafa’a Celine Halawi), irmãos cindidos à decisão de fuga da contraparte masculina ao Brasil ante a recusa de integrar o Exército libanês na defesa nacional à guerra árabe-palestino-israelense (1948–9). Neste sentido, a interposição digressiva operada à sequência de relatos de experiências migrantes outras funda a complexidade do encontro que ambientará a tragédia altericida basilar do drama do duo protagonista em terras brasileiras, a despeito de afiliação contextual dispensada.

Enquanto a decisão da fuga para o Brasil estabeleceria o antagonismo inaugural dos diversos que terminariam por opor os irmãos (cristãos católicos) Emir (Zakaria Kaakour) e de Emilie (Wafa’a Celine Halawi), a travessia além-montanhas vinculá-los-ia à terra natal pela contrariedade daquele ao romance da irmã com Omar (Charbel Kamel), pessoa muçulmana. Foto: reprodução.

Antes estrutural, o antagonismo refletido da dupla estabeleceria em distintos usos do campo visual os lugares sociais de gênero da pertença cristã católica e o movimento subversivo da mesma ordem, dada a passagem aos objetivos, aos quereres e ao desejo por autonomia da personagem de Wafa’a Celine Halawi. Aspecto sintomático da mudança inaugurada seria o romance com Omar (Charbel Kamel), pessoa muçulmana e agente estressor do vínculo ancestral com o território originário em seara ultramarina. Já o retrato da parada em Manaus, incluindo-se o do diálogo com o mundo indígena amazônida, sob duplas exposições e contra plongées atesta o lócus quase onírico de espaço dos anseios da jovem irmã também demarcados à edição sonora pelos ruídos da floresta, pelo toque do alaúde e pela pluralidade idiomática. Incontornável, entretanto, o distanciamento fraterno redundaria em fatalidade cujos efeitos interpessoais e coletivos replicariam a hecatombe organizadora das injustiças, dos traumas, das dores e das violências além-montanhas perpetuados no tempo, porque jamais reconciliados.

Reparador, o desfecho faz da memória elemento de resgate das diferenças para o valor da vida entre a dignidade dos povos e o bem-viver na construção de histórias de coexistência possíveis. No novo país, promessa à dor é o direito à paz, e multidécadas é a luta por retorno ao não extermínio étnico.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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