Queer: busca por identidade gay rompe com delírio da linguagem para a garantia do direito de existir com inteireza em novo longa de Luca Guadagnino

Thainá Campos Seriz
3 min readDec 17, 2024

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Pôster promocional de “Queer” (MUBI e Paris Filmes, 2024), longa dirigido por Luca Guadagnino (“Me Chame Pelo Seu Nome”; “Rivais”) e roteirizado por Justin Kuritzkes em adaptação ao romance homônimo de autoria de William S. Burroughs (1952; 1985). Foto: reprodução.

Título: Queer
Países de origem: Estados Unidos e Itália (2024)
Duração: 135 minutos
Gênero: drama; romance histórico
Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: Justin Kuritzkes
Obra original: William S. Burroughs (1952; 1985)
Produção: Luca Guadagnino e Lorenzo Mieli
Fotografia: Sayombhu Mukdeeprom
Montagem: Marco Costa
Música: Trent Reznor e Atticus Ross
Direção de arte: Stefano Baisi
Figurino: J.W. Anderson
Distribuição (Brasil): MUBI e Paris Filmes
Elenco: Daniel Craig, Drew Starkey, Jason Schwartzman, Lesley Manville

Quente, a Cidade do México parecia lugar mais acolhedor, ou menos coercitivo, à expressão da identidade gay de William Lee (Daniel Craig) frente a cenário estadunidense sob égide macarthista. Bem-iluminados, os dias da capital mexicana contrastariam em intensidade com o azul saturado das noites de profunda escuridão atravessadas bar em bar à procura de encontros, ou de trocas, sexuais. Sempre armada, a personagem de Daniel Craig imaginava proteger-se de ameaças fóbicas via uso de instrumento fálico entre o coldre, quando a chegada de Eugene Allerton (Drew Starkey) à cena ao som de Come As You Are (composição de Kurt Cobain) tomaria de assalto o mundo de vazios do autor insilado em subjetividade. Em Queer (MUBI e Paris Filmes, 2024), Luca Guadagnino (Me Chame Pelo Seu Nome; Rivais) entrega ao alter-ego do escritor William S. Burroughs (nascido William Seward Burroughs II, 1914–1997) (1952; 1985) matéria imagético-sonora semelhante a do encolerizado apelo de permanência daquelas letras de Kurt Cobain (1967–94), pois pedido de desculpas congênere à dupla obsessão de querê-los ambos, amante e literato, ao gélido sol das próprias almas — mesmo se não o pudessem estar — .

Exilado na Cidade do México, William Lee (Daniel Craig) vaga de bar em bar à procura de si entre possíveis trocas sexuais, quando conhece Eugene Allerton (Drew Starkey), sujeito por quem alimentaria o desejo de ser e de sentir-se amado à dispensa de palavras. Fotos: reprodução.

À reprodução das lógicas colorimétricas wong kar-waiana e almodovariana, o verde e o vermelho alternam-se no jogo da persecução ao proibido (verde) e ao cerimonial (vermelho) rumo à eternidade do desejo de ser amado. Parte das experimentações e da dúvida de Allerton sobre os mesmos afetos, a dança de luzes e de sombras bailada por Lee eleva o mistério da procura de si à pulsão de morte — o escorpião faz-se símbolo — em troca da vida neste corpo. Lynchiana, por fim, a ruptura com a realidade e com os sentidos torna o delírio (alucinógeno) ferramenta emuladamente irregular de auto-observação para vislumbre alheio, já que esperança última da garantia de direito universal negado — a saber, a linguagem — . Do início cantado à voz cristalina de Sinéad O’Connor (Shuhada’ Sadaqat, 1966–2023), a homóloga de Caetano Veloso indagaria a respeito de forma alternativa à tristeza de existir aquém-humanidade (composição de Trent Reznor e Atticus Ross) e, qual escrito por Burroughs, certeza crie-se da vastidão superlativa de amar ante a pujança de sanguinários impérios.

Foi uma bichona velha quem me ensinou que eu tinha a obrigação de seguir em frente e carregar o meu fardo com orgulho p’ra todo mundo ver, superar o preconceito, a ignorância e o ódio com conhecimento, sinceridade e amor. Sempre que sentisse a ameaça de uma presença hostil, liberar uma nuvem espessa de amor como a de um polvo, quando libera sua tinta para ‘se defender.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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