Priscilla: recontar histórias conhecidas em outro tempo é oferecer-nos justiça

Thainá Campos Seriz
4 min readOct 17, 2023

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Pôster oficial de “Priscilla”, o mais novo filme de Sofia Coppola. Foto: reprodução.

Título original: Priscilla
Países de origem: Estados Unidos e Itália
Duração: 113 minutos
Gênero: biografia; drama
Direção e roteiro: Sofia Coppola
Obra original (texto): Priscila Beaulieu-Presley e Sandra Harmon
Produção: Sofia Coppola, Youree Henley e Lorenzo Mieli
Direção de fotografia: Philippe Le Sourd
Direção de arte: Tamara Deverell
Edição: Sarah Flack
Figurino: Stacey Battat
Empresas produtoras: American Zoetrope e The Apartment Pictures
Distribuição (Brasil): MUBI
Elenco: Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Dagmara Dominczky, Ari Cohen

Com Sofia Coppola, aprendi a considerar que, dada a razão pela qual suas protagonistas foram silenciadas ou oprimidas, o contexto a situá-las entre a condição e o agente opressores encarregar-se-ía de denunciá-los. Porque silenciadas, cabe o entorno ser eloquente na comunicação. Baseado na biografia Elvis and Me (1985), com texto de Sandra Harmon, Priscilla (O2 Play/MUBI, 2023) descortina (em outra vaga) a história da tragédia de um dos relacionamentos mais icônicos do rock mundial na grande tela.

Enquanto servia na base de Bad Nauheim, em 1959, na ainda existente Alemanha Ocidental, Elvis Presley (1935–1977) (Jacob Elordi), então com 24 anos, conhecera Priscilla Ann Beaulieu (nascida Priscilla Ann Wagner) (Cailee Spaeny), de quinze, por quem apaixonar-se-ía perdidamente até o início oficial da relação consentida pelos pais da adolescente, não sem contrariedade materna, em 1964. Enamorada e após meses do encontro em terras alemãs, a garota texana escolheria concluir a formação secundária nos EUA para ficar ao lado do amado. Distanciada, portanto, do núcleo familiar imediato, a protagonista ficaria isolada entre o desejo de controle, a obsessão e a série de abusos desvelada por Elvis, a quem considerou ter de suportar. As cores pastéis de cenários e do figurino de Cailee Spaeny no 1º ato transmutam-se nos tons frios de iluminação adotados sobre set e personagens no 2º ato como forma de descrever o drama enfrentado por Priscilla, que mudaria a tonalidade do próprio cabelo e alguma estética, por força das críticas atrozes do namorado/companheiro à sua inadequação — inadequação de uma adolescente a um mundo adulto desconhecido e cuja entrada fora precipitada — .

A oficialização da união via casamento com Elvis Presley (Jacob Elordi) seria o início definitivo da prisão de Priscilla (Cailee Spaeny). Foto: divulgação/Philippe Le Sourd.

As diferenças entre um e outro, abissais, expressavam-se exatamente pelas idades também distintas e expressas na fisicalidade. A imaturidade esperada de uma adolescente de quinze anos de idade parece-me fator elementar à compreensão dos dramáticos contornos deste relacionamento, aliás, já construído enquanto desastre normalizado. Período de consolidação das identidades de meninas, se uma vez disponível em inteireza, a adolescência de Priscilla, porque roubada, fê-la defrontar-se até cedo demais com a adultez talvez exigível a um enfrentamento, no mínimo, mais equânime do que se revelou abuso. Embora homens retirem-nos mais cedo da infância e da adolescência pelo afã de satisfazer os anseios de eterna juventude, por outro lado, uma vez enredadas, ainda somos mantidas na infância, quando o assunto é a emancipação. A partir do nascimento da filha Lisa Marie (1968), a distância sempre presente entre ambos aprofundou-se, e sua expressão no abandono daquele tom lúgubre pelo retorno às cores pastéis nos cabelos de Priscilla, na indumentária e na iluminação em foco faz-se evidência.

O fim era algo latente e, deveras antecipado no roteiro, interrompeu o que poderíamos ter acompanhado da jornada de reconstrução de Priscilla. Contraditoriamente, em retrospectiva, o roteiro de Sofia Coppola acertou em concluir neste ponto a narrativa, porque, ao término conhecido da relação, a fuga fazia-se necessária à sequência de violências já exposta. Ao público, ficou, espera-se, a sugestão de seguir com o debate e a reflexão articulados em tela.

Registro da saída de Priscilla Presley (Cailee Spaeny) e de Lisa-Marie da maternidade (1968), em meio à multidão de admiradoras e de admiradores do rei do rock. Foto: divulgação/Sabrina Lantos.

A escolha deste trabalho não me parece aleatória. A diretora e roteirista desloca temporalmente a história para discuti-la em momento mais afim ao balanço de avanços dos e aos feminismos às vidas de mulheres. Lembrá-la não redime ou revitimiza Priscilla Presley, mas busca oferecer a mulheres com passado e presente semelhantes a dose de escuta, de solidariedade e de justiça não, ou nunca, pregressamente oferecida. Então, sim, Priscilla realizou o que esperava de outro longa-metragem de Sofia Coppola.

Assistido no Festival do Rio, o filme estreia em 26/12 nos cinemas brasileiros.

A diretora e roteirista Sofia Coppola. Foto: divulgação/Melodie McDaniel.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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