Pobres Criaturas: o livre-ser de mulheres é além-distopia, porque irrealizado

Thainá Campos Seriz
4 min readOct 19, 2023

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Outro dos pôsteres oficiais de “Pobres Criaturas” (título original: “Poor Things”), do diretor grego Yorgos Lanthimos. Foto: reprodução.

Título original: Poor Things
Países de origem: Irlanda e Estados Unidos
Duração: 141 minutos
Gênero: drama
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Tony McNamara e Alasdair Gray (obra original)
Produção: Ed Guiney, p.g.a; Yorgos Lanthimos p.g.a; Andrew Lowe, p.g.a; Emma Stone, p.g.a
Coprodução: Ildiko Kemeny, Kasia Malipan e David Minkowski
Coordenação de produção: Mónika Nagy
Produção executiva: Daniel Battsek e Ollie Madden
Trilha sonora: Jerskin Fendrix
Direção de fotografia: Robbie Ryan
Design de produção: Shona Heath e James Price
Direção de arte: Jonathan Houlding e Géza Kerti
Edição: Yorgos Mavropsaridis
Empresas produtoras: Element Pictures e Searchlight Pictures
Empresas coprodutoras: FILM4 e TSG Entertainment
Distribuição (Brasil): Searchlight Pictures
Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe, Ramy Yousseff, Christopher Abbot, Jerrod Carmichael

Uma mulher atira-se ao Tâmisa para fazer cessar o sofrimento a afligi-la no presente e a vida a habitar-lhe o ventre. Sem realizar a morte desejada, o corpo da socialite Victoria Blessignton (Emma Stone) é encontrado pelo cientista Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), que, durante uma cirurgia experimental, troca-lhe o cérebro pelo da criança natimorta, a fim de revivescê-la. No entanto, a introdução do residente Max McCandles (Ramy Youssef) à rotina então cerceada do corpo-teste mudaria para sempre o rumo de suas vidas.

Vencedor do Leão de Ouro de Melhor Filme do Festival de Cinema de Veneza 2023, Pobres Criaturas (título original: Poor Things), com direção de Yorgos Lanthimos e roteiro de Tony McNamara, é a adaptação para a grande tela do homônimo terror gótico de autoria de Alasdair Gray (1992), considerado uma leitura de tipo feminista de Frankenstein, ou o Prometeu moderno (1818), clássico inaugural de Mary Shelley (1797–1851). Criada como o monstro de G. Baxter em isolamento de controle, a criatura Bella goza de ambiente, de aprendizado e de exposição social estritamente controlados pelo criador, na metáfora dos autores à condição feminina sob o patriarcado. Em meio ao progresso da linguagem e da relação com o universo além-muros da mansão Baxter, Bella tem anseios, quereres e desejos, sobretudo sexuais, tolhidos pelos homens ao redor, aqui, tornados sinôminos da sobredeterminação patriarcal a mulheres e a outras maiorias minorizadas. O poder de criação de Godwin Baxter é, antes, arbitrário, pois egoico e infantilizador da sujeita de experimento. Quando não o preto e branco da tela, as câmeras angulares (em olho de peixe) características do estilo de Lanthimos recriam o horizonte então reduzido de possibilidades sobre si mesma de Bella, dando em algum tempo lugar ao colorido vibrante dos planos abertos, produto da também expansão do olhar da brilhante protagonista interpretada por Emma Stone.

À esquerda, figuram Bella Baxter (Emma Stone) e o residente Max McCandles (Rammy Yousseff). À direita, o cientista Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe): Fotos: divulgação/Searchlight Pictures.

A sexualidade livre, e libertária, de B. Baxter atraiu a curiosidade do galanteador advogado Duncan Wedderburn, papel de um excelente Mark Ruffalo em cena, que a convencera a embarcar em uma aventura por Lisboa e por cenários outros distantes da Londres de origem. A avidez da personagem por conhecimento via sentires e prazeres ampliados afigurou-se insuportável à insegurança de um fraco Wedderburn, o qual, já em Paris, depois de expulsos do navio onde conheceram Mrs. Prim (Vicki Pepperdine) e Harry Astley (Jerrod Carmichael), abandonaria a parceira à prostituição. Enquanto profissional do sexo, aliás, Bella utilizaria o período na casa comandada por Swiney (Kathryn Hunter) como ferramenta ao explorar superlativo do desejo sexual (também intragênero), metonímico do afã de e pela vida em liberdade. A notícia da morte iminente de G. Baxter força o retorno da querida de Toinette (Suzy Bemba) a Londres e ao enfrentamento do passado como Victoria Blessignton.

Em cena, Bella Baxter (Emma Stone) e o covarde advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo). Foto: divulgação/Searchlight Pictures.

Presa a um casamento tóxico e a uma gravidez indesejada, à homóloga de Bella Baxter não restara alternativa. Reinicializada, no entanto, a agora congênere de Victoria Blessignton aprenderia como valor incontornável a liberdade de ser quem se deseja sê-lo, com ou apesar dos homens e da repressão imposta/igualmente feita introjetar pela misoginia estrutural. Antes educadas para a liberdade, mulheres não sacrificariam a vida, a história e a intelectualidade, sua e de outras, a algozes ou à escória semelhante de supremacistas.

A loucura de Lanthimos é meu desejo diário de sanidade e, embora espere não sermos assassinadas ou suicidadas ao nível das experimentações testadas de homens, quero exercitar, sem escusas e enquanto materialidade, a visão e a fantasia do fazer e do desejar livres.

Assistido no Festival do Rio, o filme estreia em 1°/2/2024 nos cinemas brasileiros.

À frente, Toinette (Suzy Bemba), a querida francesa de Bella Baxter (Emma Stone), que figura logo atrás. Foto: divulgação/Searchlight Pictures.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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