Passagens: outras histórias, velho — porém necessário — tema
Título original: Passages
Direção: Ira Sachs
Roteiro: Mauricio Zhacarias, Ira Sachs e Arlette Langmann
Produção: Saïd Ben Saïd e Michel Merkt
Ano de produção: 2021
Ano de lançamento: 2023
Gênero: drama
Duração: 91 minutos
Elenco: Franz Rogowski, Ben Whishaw, Adèle Exarchopoulos, Erwan K. Fale, Arcadi Radeff
Entenda-se Passagens (O2 Play Filmes/MUBI, 2023) enquanto transições operadas por/entre descobertas e suas eventuais consequências. Neste longa com direção de Ira Sachs e roteiro de Mauricio Zacharias, Ira Sachs e Arlette Langmann, Franz Rogowski é Tomas, um diretor de cinema cuja crise no casamento com Martin (Ben Whishaw) leva-o, no último dia de gravações de seu filme e em meio a uma festa de confraternização, a um flerte e a uma final transa com Agathe (Adèle Exarchopoulos), uma jovem professora primária. Encantado pela experiência com uma mulher na cama e com a possibilidade de continuar a explorá-la dentro de si, Tomas provoca o rompimento da relação com Martin, que, por sua vez, encontra Ahmad (Erwan K. Fale), iniciando aí um romance. Se a perda do então companheiro parece, e é, consequência da decisão tomada e refletida sobre outra pessoa, no entanto, para Tomas, conviver com um novo presente sem Martin era insuportável.
Rogowski soube perfeitamente encarnar o narcisismo de Tomas na satisfação dos próprios interesses, algo legítimo, enquanto ignorava, por outro lado, os afetos alheios. A câmera observadora e os ângulos abertos em uma bela fotografia fazem-nos acompanhantes e voyeurs da jornada do coprotagonista entre várias das paixões as quais tenta viver e, ao mesmo tempo, descartar, quando já não compreendem sua intensidade. Os também excelentes Exarchopoulos e Whishaw são os amores e os alvos dos encontros e dos desencontros do parceiro com quem, à revelia, têm sentires e quereres desperdiçados no que não se acorda ou, pior, não se sabe (com Tomas). O filme acerta em trazer a história de um triângulo (?) amoroso por outra perspectiva, ou seja, não heteroafetiva. Aliás, o casal de homens não é uma ou a questão, como não deveria ser, e a insinuação de não confiabilidade em um homem recém-saído, ainda envolto ou ligado a um casamento com outro homem pela mãe de Agathe é rapidamente silenciada. No entanto — e verdade seja dita, nem uma inferência foi feita — , a leitura da possível bissexualidade da personagem sobretudo responsável por certa confusão sentimental e/ou promiscuidade (vejam e entenderão) é meu motivo de preocupação.
A condição extratela em nada retira o poder ou o brilho da história vista na grande tela, e este temor individual, apesar de não infundado, pode ser tão só produto do cansaço em viver e ouvir tais insinuações fora da sala de cinema, exatamente sob a retórica de uma predisposição (da pessoa bissexual) à falta de responsabilidade afetiva (sim, acreditem ou não). Certamente, overthinking, mas chegue-se à conclusão óbvia: há quem não queira ou não suporte lidar com os efeitos das próprias ações, em razão do egocentrismo ou da, aí, sim, ausência de responsabilidade afetivo-emocional, sem mais vínculos (leia-se orientação sexual). Fiquemos com isso.
Prestigiem Passagens, ou Passages (título original), nos cinemas.