Para Onde Voam as Feiticeiras: recomendado é viver quem se é e pode-se ser

Thainá Campos Seriz
4 min readAug 30, 2023

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Pôster oficial de “Para Onde Voam as Feiticeiras” (Aurora Filmes/Descoloniza Filmes). Foto: reprodução.

Direção: Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral
Produção: André Montenegro e Rui Pires
Produção executiva: Sônia Hamburger, André Montenegro e Rui Pires
Direção de fotografia: Leonardo Feliciano
Câmera: Manoela Rabinovitch
Direção de arte: Carla Caffé
Direção de som: Vasco Pimentel
Edição de som e mixagem: Vasco Pimentel e Pedro Noizyman
Trilha sonora: Carlinhos Antunes e Rui Barossi
Montagem: Eliane Caffé
Figurino: Karlla Tavares
Assist. de figurino: Bruno Correia, Guilherme Funari e Fernanda Ailish
Direção de produção: Jair Netto
Coordenação executiva: Andrea Lanzoni
Produção de finalização: Beto Bassi
Assistência de direção: Tarsila Araújo
Produção: Aurora Filmes
Coprodução: Cisma Produções
Distribuição: Descoloniza Filmes
Elenco: Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Preta Ferreira, Thata Lopes, Wan Gomez

A resistência não é recomendada (Caio Prado) à sociedade pelos donos e pelas donas do poder. Submeta-se inteiramente e, talvez, sobreviva. Sobreviva até ser deixade para morrer, pois a superexploração à alma encarregar-se-á do resto, ainda que se queira ser, ter e parecer com a cara (branca, patriarcal e homolesbitransfóbica) do poder. Para Onde Voam Feiticeiras (Aurora Filmes/Cisma Produções/Descoloniza Filmes, 2020), longa documental com direção e roteiro do trio Eliana Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral — o roteiro tem ainda colaboração em autoria de todo o elenco em tela — , traz o cotidiano das experiências de encenação de sete artistas entre as ruas do centro da cidade de São Paulo, o qual, em diversas leituras possíveis, reflete as dificuldades de ser, de viver e de existir quem se é na persistência de opressões e de subopressões continuadas, não obstante certo engajamento dito aliado e a partilha das agruras e dos efeitos da dominação.

A observação ativa e participante de câmeras posicionadas, a uma agilidade atenta e paciente, a serviço de cada uma das personalidades em cena é movimento complementar aos close-ups e metonímico à dinâmica das rodas de debates, aliás, necessárias à continuidade em si do próprio trabalho de atuações e da sequência de filmagens. A reunião das subjetividades indígena, negra, LBTGQIAPN+, periférica e trabalhadora sem-teto intenta a viabilização de alianças no fazer político da e pró-resistência, a partir do reconhecimento mesmo das expressões e das plataformas de luta inserias alhures à composição das forças em disputa. Se a interação com território tão hostil quanto o centro de São Paulo une opressories e subopressories em violência no proferir e no agir corporal/verbal — exclua-se a defesa legítima da contrarreação aos ataques violadores — , a rua também é capaz de aglutinar, à margem, quem ali transita e tem oportunizadas a escuta da voz e a acolhida da arte.

Na imagem, da esquerda para a direita: Mariano Mattos Martins, Thata Lopes, Preta Ferreira, Wan Gomez, Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish e Gabriel Lodi. Foto: Henrique Hennies.

As presenças de Renata Carvalho, Helena Vieira, Erika Hilton, Diego Moraes, Pastor Henrique Vieira e Judith Butler são contribuições bem-vindas à constituição dos discurso e prática das intervenções de Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Preta Ferreira, Thata Lopes e Wan Gomez no espaço urbano. O filme documental organiza intelectivamente, talvez em caráter pioneiro, como a disposição das agendas de distintas pertenças racial, de gênero, classe e sexualidade pode ser articulada à consecução do comum e como a localização social de dores e de desafios faz reconhecer, e não totalizar, histórias e ação política diferentes. Longe de contingência, frentes unidas em aliança são, ou deveriam ser, estratégia e método de formulação de projetos de sociedade/de país e de conquista do poder popular, sem a mimetização de armadilhas sistêmicas estruturadas entre a supremacia branca heterocisnormativa institucional à subversão de interesses coletivos, à destituição via golpe e ao descrédito de reputações.

Política pode ser afetuosa, mas o fazer político não implica relativizar eventuais abusos praticados intra ou extragrupos em nome de um amor disforme, inclusive, por si próprie. A compreensão madura de diferenças subjetivas e objetivas à representação política é elementar à inserção nos embates do campo. Trata-se de guerra. Uma das regras — guerra tem regras, e é preciso aprendê-las — é ser leal às pessoas em aliança à(s) causa(s). Seja este documentário aprendizado definitivo ao consenso de agências antidominação e de humanidades em luta por uma existência sem amarras ou de ameaças à vida em seus mais variados espectros.

Para Onde Voam as Feiticeiras chega aos cinemas em 31/8.

Elenco e equipe de produção de “Para Onde Voam as Feiticeiras”. Foto: Henrique Hennies.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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