Os Rejeitados: encantador é ter direito a uma interiorização emocional qualificada entre o silêncio
Título original: The Holdovers
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 133 minutos
Gênero: comédia dramática
Direção: Alexander Payne
Roteiro: David Hemingson
Produção: Mark Johnson, Bill Block e David Hemingson
Direção de fotografia: Eigil Bryld
Música: Mark Orton
Montagem: Kevin Tent
Distribuição (Brasil): Focus Features
Elenco: Paul Giamatti, Da’Vine J. Randolph, Dominic Sessa, Carrie Preston
Encantamento é vocábulo de incontornável definição a vincular-se à experiência de assistir a Os Rejeitados (título original: The Holdovers) (Focus Features, 2023), longa expoente da atual temporada de premiações com direção de Alexander Payne e roteiro de David Hemingson enfim chegado aos cinemas brasileiros na última quinta-feira (11). Tributário de filmografia temática estabelecida em período diverso, o bom trabalho de apresentação de dramas individuais ao desenvolvimento de trajetórias redimidas via aprendizado coletivo de The Holdovers cativa pela clareza das atuações em tela e pelo silêncio. Na história, a saída dos estudantes do internato Barton Academy para as festas de fim de ano possibilitaria a Paul Hunham (Paul Giamatti) a conclusão da leitura de amados romances policiais, mas porque designado à supervisão de um grupo acadêmico ainda remanescente, o adiamento de planos anteriormente traçados só fez aumentar um latente desprezo. Mestre zeloso e preocupado com a também formação moral discente, Hunham tenta realizá-la sob ética inegociável, porém ortodoxa. Por conseguinte, o professor de Civilizações Antigas recusa-se a seletivizar sua pedagogia em benefício dos privilegiados filhos da branca elite político-econômica estadunidense, sendo assim punido com o ostracismo capacitista de toda a comunidade escolar.
Em outra vaga, Angus Tully (Dominic Sessa), parte do corpo desprezado de alunos da classe daquele odiado docente, frustra-se à ausência da mãe e do padrasto durante o recesso natalino e, ao que se afirma companhia indesejável, a chefe de cantina Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph) vive o luto da perda precoce do filho Curtis E. Lamb na Guerra do Vietnã (1970) — a mesma a vitimar rejeitados nacionais, leia-se pessoas negras, em front de batalha além-continental — . Inesperada, a convivência aí estabelecida de tão distantes figuras desvelaria dores, alegrias, dilemas, desejos e amares a cada um(a), cuja generosidade compartilhada modificaria, ao tempo da união, a tristeza momentânea. Por isso, mesmo enlutada, M. Lamb lega a gentileza, a escuta atenta e a compreensão empática como valores fundamentais ao bem-viver, apesar de tão adverso e doloroso momento pessoal. Já P. Hunham encontra na flexibilidade de uma extrema rigidez característica anteparo à reconexão social e à criação de mais alegres memórias ante o cuidado permitido de si e do entorno, enquanto A. Tully, porquanto acalantado no reconhecimento também externo das próprias potencialidades, constrói o futuro de suas relações ao carinho concedido, resultado ou não feito direto à fusão inicial do insólito trio.
Se a colorização e o design artístico bem-aproximam a audiência dos idos anos 1970, os efeitos de transição à montagem quadro a quadro ambientam de forma não saudosista realização cinematográfica há muito não produzida. O ritmo lento de explicitação dos arcos dramáticos a cada personagem, perceptível à ampliação/à redução da profundidade de campo entre a mudança de planos e à estabilidade da câmera, permite a completude pacífica de distintos timings e a semântica eloquente do silêncio projetado à espera paciente dos diálogos. Neste sentido, cada evento ou fato narrativo a considerar ocorre ao tempo de um desenrolar único, e vê-lo transcorrer à tranquilidade de uma interiorização profunda, portanto, qualificada é reconfortante.
Sair dos 133 minutos de exibição de Os Rejeitados é elevar-se desejosa ou desejoso de sempre retornar às primeiras vezes de uma agora alentadora recordação. Talvez tamanha sensação seja cinema.