Os Catadores e Eu: cinema arqueologiza história social, subjetividade e dilemas do envelhecimento feminino em tocante documentário ensaístico de Agnès Varda

Thainá Campos Seriz
2 min readSep 4, 2024

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Pôster promocional de “Os Catadores e Eu” (título original: “Les Glaneurs et la Glaneuse” (Ciné-Tamaris, 2000), longa documental dirigido e roteirizado por Agnès Varda (1928–2019). Foto: reprodução.

Título original: Les Glaneurs et la Glaneuse
Países de origem: França (2000)
Duração: 82 minutos
Gênero: documentário
Direção e roteiro: Agnès Varda
Produção: Ed Guiney
Fotografia: Didier Doussin, Stéphane Krausz, Didier Rouget, Pascal Sautelet e Agnès Varda
Montagem: Jean-Baptiste Morin, Laurent Pineau e Agnès Varda
Trilha sonora: Joanna Bruzdowicz e Isabelle Olivier
Distribuição: Ciné-Tamaris
Elenco: Bodan Litnanski, François Wertheimer, Agnès Varda

A autora septuagenária reflete acerca do tempo e do fazer cinematográfico em um ensaio documental inesquecível. Em Os Catadores e Eu (título original: Les Glaneurs et la Glaneuse) (Ciné-Tamaris, 2000), Agnès Varda (1928–2019) insere-se em tela como uma catadora de imagens, pois fiel e sensível respigadora das trajetórias cujo apagamento desperdiçou pessoas em suas humanidades. Ao continente emocional-material erigido por ambas as mãos com uma câmera, a narração em voice-over justapõe-se à montagem na historicização do protagonismo feminino entre a atividade-título de fim não econômico e das injustiças sociais relacionadas ao direito consuetudinário e ao triunfo capitalista neoliberal sobre a luta de classes (ver Marx, 1848). Intergeracional, a prática é ressignificada por A. Varda enquanto legado ético de coletivização do acesso à cidadania e da sustentabilidade para o edifício de modelo relacional não predatório com a natureza e com o meio ambiente.

A passagem do tempo sobre o corpo conduz Agnès Varda (1928–2019) pelo resgate do próprio fazer cinematográfico entre o reencontro com as sujeitas e com os sujeitos invisíveis celebrados por sua realização neste Os Catadores e Eu (2000). Foto: reprodução.

Vanguardista, a contribuição replicar-se-ia à tessitura de uma economia política (Marx, 1859) dos afetos mais respeitosa consigo e com a plural expressão das humanas dignidades. Qual a bela moldura aplicada às feias infiltrações, o relógio sem ponteiros suspenderia o passar das horas rumo ao fim no resgate autodefinido de uma carreira filmográfica que, ante a sempre latente ameaça da queda à invisibilidade e ao ostracismo patriarcais, pode finalmente reconhecer a própria inteireza no trabalho com uma imagética a contrapelo (Benjamin, 1940), isto é, comprometida com as diferenças e com os despossuídos. A visão de si pelo encontro com a alteridade projetada por Agnès V. consolida projeto autoral transfigurável em história pública (ver Frisch, 1990), dado o não contraditório aceno à proposta também subjetiva do realismo vardaniano. Se a poucas a longevidade confere a chance do balanço de uma vida, o retorno à voz em 1ª pessoa é radical na garantia da homenagem e do amor coletivos.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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