Orion e o Escuro: retorno à infância é possibilidade adulta de compromisso intergeracional com a promoção da paz (interior) em comovente animação de Sean Charmatz
Título original: Orion and the Dark
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 93 minutos
Gênero: animação, comédia e fantasia
Direção: Sean Charmatz
Roteiro: Charlie Kaufman
História original: Emma Yarlett (2014)
Produção: Peter McCown
Fotografia: Martin Ruhe
Montagem: Kevin Sukho Lee
Direção de arte: Timothy Lamb
Trilha sonora: Robert Lydecker e Kevin Lax
Distribuição (Brasil): Netflix
Elenco: Jacob Tremblay, Paul Walter Hauser, Mia Akemi Brown, Colin Hanks, Angela Bassett, Natasia Demetriou, Golda Rosheuvel, Nat Faxon, Ike Barinholtz, Aparna Nancherla
Ao ajudar a filha a lidar com o (conhecido) temor noturno, um pai (voz de Colin Hanks) escrutina medos progressos em auxílio à travessia da pequena à interioridade no retorno à própria infância. Em Orion e o Escuro (título original: Orion and the Dark) (Netflix, 2024), a personagem-título (voz de Jacob Tremblay) transforma em imagem todos os terrores acumulados da ainda breve vida em um projeto gráfico de desvelamento psicológico das várias incertezas experienciadas na passagem à adolescência via emprego combinado da animação em 3D com inserções ilustrativas temáticas bidimensionais. Neste ínterim, o convite de Dark (ou do Escuro) (voz de Paul Walter Hauser) a uma jornada exploratória das referidas sombras pretendia aplacar as inseguranças do menino na visão das belezas e das possibilidades do mergulho em inescrutáveis emoções.
A despeito do suporte emocional paterno, Orion temeria o cair da noite e da escuridão como ameaça (não nominada) à sobrevivência. Considerando-se o silêncio autoimposto acerca das dúvidas, da ansiedade e dos perigos não somente imaginários do presente, o fluxo de consciência é didático em vocalizar a estratégia de luta e de fuga internas adotada na moldura da subjetividade. Bela, diga-se, a linha narrativa seguida por Charlie Kaufman (Anomalisa) no roteiro eleva a viagem ao espaço para o tratamento do encontro com a queda às ausências e ao desconhecido enquanto informador além-binário das singularidades humanas. Longe de detrator, o convívio com o vazio prova-se parcela fundamental da busca do equilíbrio de bem-viver, porque reconhecido o valor da autoproteção na defesa da vida. A afastar-se, porém, o risco autoimune da solidão a tantas barreiras de segurança erguidas, a vaga das estrelas não descobertas de si pode é revelar nas luzes de cada alvorecer a conquista da paz interior.
Por fim, o recurso ao diálogo intergeracional é sugestivo do esforço pró-ruptura de ciclos de produção de sofrimento entre as infâncias e a adultez, pois replicá-los, atestou-se, compromete o vínculo consigo no agora e veda a gênese do futuro, qual indisponível torna-se o horizonte da longevidade. Em circunstância única, o trabalho passa bruscamente ao protagonismo da menina Hipátia (voz de Mia Akemi Brown), e embora se assinta sobre a consecução do processo de cura infantil, pioneira — aludo à primazia da matemática e da astrônoma egípcia homônima (c. 351/70–415) — deve(ria) ser a agência adulta no empreendimento e no legado da mesma tarefa. Se a intersecção permite olhar de facto mais gentil à trajetória trilhada, já que direito, longo, ou mais paciente, poderia também ter sido o caminho até a chegada do novíssimo tempo; com tamanha lacuna, confesso, não foi possível lidar.