O Último Dia de Yitzhak Rabin: tragédias são históricas e, em ambos os lados do muro, ceifam nossas esperanças pela vida e pela paz

Thainá Campos Seriz
4 min readNov 2, 2023

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Pôster oficial de “O Último Dia de Yitzhak Rabin” (título original: “Rabin, The Last Day”), longa com direção de Amos Gitaï. Foto: reprodução.

Título original: Rabin, The Last Day (2015)
Países de origem: Israel, França
Duração: 156 minutos
Gênero: ficção; documentário
Direção: Amos Gitaï
Roteiro: Marie-Jose Sanselme e Amos Gitaï
Produção executiva: Shuki Friedman, Gadi Levy e Benoît Quainon
Produção: Cyril Colbeau-Justin, Jean-Baptiste Dupont, Sylvie Pialat, David Kessler III, Laurent Truchot, Michael Tapuach, Francesco Di Silvio e Amos Gitaï
Trilha sonora: Amit Poznansky
Direção de fotografia: Eric Gautier
Direção de arte: Miguel Merkin
Figurino: Dany Bar Shay
Edição: Yuval Orr, Tahel Sofer e Isabelle Ingold
Distribuição (Brasil): Synapse Distribution (2023)
Elenco: Yitzhak Hishiya, Pini Mittelman, Michael Warshaviak, Einat Weizman, Yogev Yefet

Uma vez envolvida no problema qual produto da diáspora palestino-levatina, digo que assistir a O Último Dia de Yitzhak Rabin (título original: Rabin, The Last Day) (Synapse Distribution, 2023) foi experiência, no mínimo, angustiante e de estresse emocional pungente. Com direção de Amos Gitaï, roteiro da parceria Marie-Jose Sanselme e Amos Gitaï e falado em hebraico, o longa documental acompanha o último período de governo (1992–1995) do ex-primeiro-ministro israelense até seu assassinato, em 4/11/1975, pelo radical sionista Yigal Amir (Yogev Yefet). Vencedor do Prêmio Nobel da Paz do ano anterior (1994), Rabin (1922–1995) fora notória voz a advogar uma política racional de coexistência pacífica com a congênere entidade palestina na região e logo vira o apoio à causa derreter, em virtude do ambiente extremado pela ascensão das ultradireitas religiosa e política judaicas sionistas via Likud, vocalizadas, então, no Knesset (Parlamento) por Benjamin Netanyahu — a história repete-se como tragédia e farsa, diria Karl Marx (1818–1883) — .

Em tela, o ex-primeiro-ministro-israelense Yitzhak Rabin (1922–1995) (hebraico: יצחק רבין). Foto: reprodução.

Gitaï, interessado em compreender os fatores de deterioração do apoio de israel a Y. Rabin e, consequentemente, à resolução consensuada da questão árabe-palestina, investe na composição de numerosos registros em imagem de época, incluindo-se as entrevistas de Shimon Peres (1923–2016), outrora chanceler, e da companheira Leah Rabin, com a dramatização dos eventos que considera notórios ao entendimento do magnicídio por meio de flashbacks em ordens cronológicas distintas entre o 1º e o 2º atos. Já no 3º ato, o roteiro concentra-se em encerrar as conclusões anteriormente já enunciadas em diversos planos-sequência a contrapor depoimentos os quais apontam as negligências das equipes de segurança do primeiro-ministro durante o ato na Praça dos Reis onde fora assassinado e o background oferecido pela radicalização dos discursos das direitas sionistas contra árabe-palestinos e, por conseguinte, contra a tentativa de apaziguamento de Rabin dos efeitos da guerra em curso. Planos abertos e zenitais parecem querer destacar o esforço de ampliação da realidade degradada a enxergar-se, enquanto os vários superzoom empregados talvez queiram escrutinar, à proximidade de olhares e de reações, o apelo à paz e ao consenso perdido. A última investida sobre território árabe de 1967 (Guerra dos Seis Dias) e as repercussões do ataque sírio-egípcio em reação no Yom Kippur de 1973 imbuíram a retórica etnonacionalista de setores sionistas e de parte da direita parlamentar favorável à supremacia israelense em região historicamente palestina, que, entre a intensificação do colonato judeu e conspirações rabínicas pela invocação do Din Rodef — animador das forças a efetivar o sacrifício do considerado traidor — , suplantou a esperança em prol do fim do sofrimento de lado a lado do muro.

Nas imagens de tela, está reunida a comissão (aqui, dramatizada) que investigou as falhas de segurança da equipe responsável pela guarda do então primeiro-ministro Yitzhak Rabin. Fotos: reprodução.

Discordamos Gitaï e eu, no entanto, a respeito de dois aspectos: i) israel é uma colônia de povoamento idealizada (basta consultar as injunções do volume O Estado Judeu, de autoria de Theodor Herzl, de 1896), estabelecida nesta forma sob aval de organismos supradiplomáticos e da comunidade internacional e gestada desde, pelo menos, 1897, ano de realização do I Congresso Sionista Mundial, passando-se ainda por 1917–8, data da conquista britânica da Palestina ao domínio otomano e da Declaração Balfour; por 1923, data de oficialização do Mandato Britânico da Palestina; e por 1947, dado o plano de partição palestino. A expansão territorial via fronteira agrícola (kibbutzim) e/ou ocupação militar está em seu cerne, porque base do sionismo (teoria supremacista da criação de um Estado étnico judeu), e, por isso, quaisquer outros ideais dissonantes são suprimidos. II) antes da extrema-direita, a esquerda política israelense, também de maioria sionista, foi a principal responsável pela política de assentamentos ilegais de limpeza étnica indígena (palestina) em território originário (sem aspas). Entre um e outro espectros, portanto, pouco ou nada se distinguia.

Por outro lado, partilhamos crença semelhante acerca da falácia da solução duploestatal criada, em verdade, para o conforto das mentes e dos corações a Oeste do globo, e francamente aprecio o compromisso de historicidade dos contornos ainda a repercutir de nossas tragédias, apesar de bases intelectuais distintas. Frente à atual escalada da questão, cabe-nos trabalhar o consenso pela descolonização e pelo arranjo político da coexistência em território agora tornado comum.

Se a noção de liberdade sionista compreende a supressão de direitos originários e a expulsão física do povo palestino de terras históricas, a paz definitiva será realizada tão somente no concerto das coletividades dispostas a fazê-lo.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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