O Quarto ao Lado: inverno da vida encontra estação mais quente à amizade em novo longa de Pedro Almodóvar sobre a morte e a perspectiva do fim

Thainá Campos Seriz
3 min readOct 7, 2024

--

Pôsteres promocional de “O Quarto ao Lado” (título original: “The Room Next Door”; em espanhol, “La Habitación de al Lado”, longa dirigido e roteirizado por Pedro Almodóvar em adaptação ao romance “What Are You Going Through” (em português: “O Que Você Está Enfrentando”), de autoria de escritora estadunidense Sigrid Nunez (1951) (Riverhead Books, 2020). Fotos: reprodução.

Título original: The Room Next Door (esp.: La Habitación de al Lado)
País de origem: Espanha (2024)
Duração: 106 minutos
Gênero: drama
Direção e roteiro: Pedro Almodóvar
História original: Sigrid Nunez (2020)
Produção: Agustín Almodóvar e Esther García
Fotografia: Eduard Grau
Montagem: Teresa Font
Trilha sonora: Alberto Iglesias
Desenho de som: Alejandro López
Direção de arte: Inbal Weinberg
Direção de elenco: Geraldine Barón e Salome Oggenfuss
Figurino: Bina Daigeler
Distribuição (Brasil): Warner Bros. Pictures
Elenco: Tilda Swinton, Julianne Moore, John Turturro, Alessandro Nivola

Dor e Glória (título original: Dolor y Gloria, 2019) abriria a trilha de reflexões de Pedro Almodóvar acerca do envelhecimento e do legado (artístico-pessoal) a partir da corporeidade. Em Estranha Forma de Vida (título original: Extraña Forma de Vida, 2023), mesmo a realização de história outrora imaginada empreende o balanço da fantasia uma vez amorosa de ex-parceiros românticos à maturidade. Neste O Quarto ao Lado (título original: The Room Next Door; em espanhol: La Habitación de al Lado) (Warner Bros. Pictures, 2024), por sua vez, a decadência do corpo ante a dor físico-emocional (re)encontra na morte perspectiva iminente e, ao temor não irracional da solidão, a agora reformada correspondente de guerra Martha (Tilda Swinton) convoca a jornalista e amiga Ingrid (Julianne Moore) para a partilha do processo de eutanásia.

Jornalistas, Martha (Tilda Swinton, à esquerda) e Ingrid (Julianne Moore, à direita) são amigas que, distanciadas há cinco anos, reencontram-se em meio à fase terminal do câncer diagnosticado da protagonista de Swinton. Para a congênere de Moore, a ocasião afigurar-se-ia possibilidade (ironicamente) única de enfrentamento ao maior de seus medos. Foto: reprodução.

Invernal, o longa reflete a temática central entre a arquitetura verticalizada das locações e a combinação da tradicional paleta de cores do cinema do autor com os tons frios (azul e roxo) de efeitos visuais e de parte dos figurinos. Menos dinâmica, a câmera emula em close-ups, em zoom ins e em planos médios a mobilidade ora claudicante da queda da personagem de Swinton ao cansaço e à recém-instalada confusão mental, bem como o quase claustrofóbico conflito da congênere de Moore com os próprios medos — Ingrid teme a morte — . Pouco saturados, o vermelho e o verde característicos da imagética almodovariana sucumbem à ansiedade e à resignação certa feita lexicais à obra do realizador espanhol e, em contraste positivador, o amarelo sobremaneira vibrante compreende a ambivalência cuja atmosférica habitualidade constitui até sóbrio desanuvio cômico à tensão estabelecida. Já o privilégio discursivo à visualidade cumpre função, porque emocional, memorialística: à escuta confidente e sem julgamentos, segredos os mais profundos podem ser revelados e a vida, autodefinida, enfim, por vocabulário único.

Se os flashbacks algo inorgânicos e o desfecho representam decréscimos ao conjunto de The Room Next Door, a psicologia bergmaniana (1966) do duo protagonista é, a despeito de artifício recorrente à filmografia de Almodóvar, nevrálgica ao jogo de cena construído por cativantes atuações em tela. À semelhança do inverno e do imortalizado à luz das letras joyceanas (ver Os Mortos, 1914), a morte é estação inflexionável à existência e recairá de forma definitiva sobre cada ser vivente. Longe de capricho, aquecer-se à amizade faz-se direito e escolha não final pelo bem-viver.

O reencontro com Ingrid (Moore) romperia a solidão de Martha (Swinton) ante a travessia da escolha pela eutanásia e o silêncio em torno da própria história. Foto: reprodução.

--

--

Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

No responses yet