O Mistério de Silver Lake: legado do conhecimento humano é necrópole de ininteligível desencanto em longa de David Robert Mitchell

Thainá Campos Seriz
3 min readAug 20, 2024

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Pôster promocional de “O Mistério de Silver Lake” (título original: “Under the Silver Lake”, 2018) (A24 e Diamond Films, 2019), longa dirigido e roteirizado por David Robert Mitchell. Foto: reprodução.

Título original: Under the Silver Lake
País de origem: Estados Unidos (2018)
Duração: 139 minutos
Gênero: drama; suspense; policial; comédia
Direção e roteiro: David Robert Mitchell
Produção: Chris Bender, Michael De Luca, Adele Romanski e Jake Weiner
Fotografia: Mike Gioulakis
Montagem: Julio C. Perez IV
Direção de arte: Michael Perry
Trilha sonora: Disasterpeace
Figurino: Caroline Eselin
Distribuição (Brasil): Diamond Films
Elenco: Andrew Garfield, Riley Keough, Topher Grace, Wendy Vanden Heuvel, Deborah Geffner, Chris Gann, Callie Hernandez

A decadência profissional e o desencanto com as relações afluem para a existência sem propósitos de Sam (Andrew Garfield) em O Mistério de Silver Lake (título original: Under the Silver Lake, 2018) (A24 e Diamond Films, 2019). A vida de fracassos romântico-afetivos certamente atribuível a uma distância emocional impetrada por masculinismo (misógino) latente faz da personagem de Andrew Garfield voyeur das persistentes ilusões do entorno ainda não desveladas pelo niilismo das dificuldades eclodidas de universo mais plural àquele constituído de uma autocentrada, pois branca, perspectiva. O vazio não encarado de uma subjetividade combalida transforma o fortuito encontro com Sarah (Riley Keough) em estressor de ansiedade que, antissocial, confirma-se inábil no trabalho das próprias desilusões entre o mergulho obsessivo em mensagens cifradas em canções, em grafismos de exegese cotejável apenas por perícia em futilidades, em mapas continentes de embalagens de cereais e em histórias omitidas do grande público por compositor a antropomorfizar a atuação sistêmica não nomeada de agentes capitalistas.

Aparentemente casual, o encontro de Sam (Andrew Garfield) com Sarah (Riley Keough) seria estressor profundamente obsessivo de ansiedade social pró-isoldamento já experenciada pelo protagonista de O Mistério de Silver Lake. Fotos: reprodução.

Neste sentido, o cinema vincula-se informação metalinguística do conjunto a priori fabricador de manipuladas revoluções artístico-mentais e de famigerado esforço anticonformismo geracional. Se Janet Gaynor (1906–1984) seria case do sucesso de adaptação quase camaleônica em uma interfásica passagem tecnológica, Kurt Cobain (1967–1994) simbolizaria o desperdício de resignações juvenis insolúveis ao acesso a instrumentos e a plataformas de luta vedado em uma década. Já à inspiração idealista de Adeus às Armas (título original: A Farewell to Arms, 1957), conclui o diretor-roteirista David Robert Mitchell, o destino vigilante de Janela Indiscreta (título original: Rear Window, 1954) suplantaria as chances de amar de Sétimo Céu (título original: 7h Heaven, 1927) ou mesmo de Como Agarrar um Milionário (título original: How to Marry a Millionaire, 1953) na ode à violência e ao terror das ilustrações do quadrinista italiano Emanuele Taglietti (1953) reproduzidas. Sem dúvidas problemático, contudo, o hiperfoco no eterno adiamento do confronto com a realidade ante as proposições do conhecimento multidisciplinar em arte delineadas epicentro degenerado da queda humana parece falacioso, pois incompreensível é a insegurança de um não lugar ensejada no tão vasto desfile de referências e de motivos visuais feito.

Ao otimismo existente da vontade de infundir leitura crítica ao estado holístico de coisas, o pessimismo da razão excessiva (ver obra de Romain Rolland, 1866–1944) faz suprimir produção ética de sentidos outra sobre a dignidade de bem-viver. O amor pode não ser movimento de libertação popular, conforme assentara o escritor estadunidense James Baldwin (1924–1987), mas a esperança é verdade memorial latente de pedagogia emancipatória à brutalidade. O ansiado mundo novo legará a síntese da diferença como enunciado à pulsão ocidental de morte, e será a recusa ao aprendizado de novas epistemes monumento à necrópole de vergonhosa inércia.

A busca de respostas por Sam (Andrew Garfield) para os esquemas do próprio insucesso torna-se inglória, à medida em que o olhar subjetivo é, junto à crítica anticapitalista, recusado. Foto: reprodução.

Visto no Clube do Crítico 27.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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