O Medo Devora a Alma: quando romance e inter-racialidade ganham imagem e tornam-se eternos

Thainá Campos Seriz
3 min readJan 22, 2024

--

Pôster promocional de “O Medo Devora a Alma” (título original: “Angst essen Seele auf”), longa com direção, roteiro e produção de Rainer Werner Fassbinder (1945–1982). Foto: reprodução.

Título original: Angst essen Seele auf
País de origem: Alemanha Ocidental (1974)
Duração: 93 minutos
Gênero: romance; thriller
Direção, roteiro e produção: Rainer Werner Fassbinder
Fotografia: Jürgen Jürges
Montagem: Thea Eymèsz
Distribuição: Filmverlag der Autoren e GmbH & Co. Vertriebs KG
Elenco: Brigitte Mira, El Hedi ben Salem, Barbara Valentin, Irm Hermann

Um dos melhores tratados visual-cinematográficos sobre relacionamentos inter-raciais é O Medo Devora (ou Consome) a Alma (título original: Angst essen Seele auf) (Filmverlag der Autoren, 1974), longa dirigido, roteirizado e produzido por Rainer Werner Fassbinder (1945–1982) que captura o romance então improvável de uma mulher branca alemã sexagenária e de um homem árabe-marroquino de ascendência amazigh na Alemanha (Ocidental) pós-nazista ou em ainda persistente desnazificação. Se as ligações pregressas de Emmi (Brigitte Mira) com o nacional-socialismo antes evidenciam o perigo da economia simbólica de conveniências pequeno-burguesa no igual afiançamento de tragédias históricas e/ou sociocontemporâneas, em outra vaga, o mesmo ideário racipatriarcal e classicista moderno condena minorias locais ao abandono e ao ostracismo, percebidos ou não. Neste sentido, porque necessariamente voyeurísticas, a fotografia e a profundidade de campo trabalham quadro a quadro o olhar da audiência frente ao desenrolar dos fatos, considerando-se a variação de planos (médios e primeiríssimos) a atuar para aproximar-nos da beleza de um amor possível entre diferentes e da decadência em parte estabelecida à negação das diferenças.

A hostilidade dirigida a Emmi, a reconhecer-se, diga-se, o grau de sofrimento psíquico imposto ao seguido não reconhecimento por iguais, pouco é equiparável ao racismo e à xenofobia impressos aos corpos e às subjetividades imigrantes não brancas em quaisquer contextos temporal-geográficos, incluindo-se as internamente reproduzidas às relações. Ao contrário da possibilidade de afastamento físico temporário e de um eventual retorno sancionado à comunidade de origem, aqui, pela inferida submissão final de uma das pessoas parceiras, a desproteção social e a perda do senso de identidade criadas à desterritorialização da experiência migrante-diaspórica, conforme descritas por Ali/El Hedi ben Salem m’Barek Mohammed Mustafa (El Hedi ben Salem) e cuja consciência das opressões sistêmicas sofridas é descrita em uma contundente leitura, desarticulam em maior ou menor tempo histórias individuais e coletivas, dada a recusa comum ao letramento racial e a outra empatia qualificada. Bem-observadas as disparidades nunca societariamente perdidas e sob a riqueza de nuances permitida àquela conjuntura bipartite e à base epistêmica acumulada, Angst essen Seele auf é obra contumaz.

O então improvável casal formado por Emmi (Brigitte Mira) e Ali (El Hedi ben Salem). Fotos: reprodução.

--

--

Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

No responses yet