O Mal Não Existe: drama revela dissociação da humanidade entre as agruras do triunfo capitalista neoliberal em longa de Ryūsuke Hamaguchi
Título original: Aku Wa Sonzai Shina; 悪は存在しない
País de origem: Japão (2023)
Duração: 106 minutos
Gênero: drama
Direção e roteiro: Ryūsuke Hamaguchi
Produção: Satoshi Takada
Fotografia: Yoshio Kitagawa
Montagem: Azusa Yamazaki e Ryūsuke Hamaguchi
Direção de arte: Masato Nunobe
Trilha sonora: Eiko Ishibashi
Som: Izumi Matsuno
Distribuição (Brasil): Imovision
Elenco: Hitoshi Omika, Ryo Nishikawa, Ryûji Kosaka, Ayaka Shibutani, Hazuki Kikuchi, Hiroyuki Miura
A caminhada sob o céu do próprio lugar no mundo é, pois contemplativa, com olhar acima. O uso insistente de contra-plongées combinado a uma linha sonora de cordas forja já à sequência de abertura deste O Mal Não Existe (título original: Aku Wa Sonzai Shina; 悪は存在しない, 2023) (Imovision, 2024) a tônica do equilíbrio no qual Mizubiki, vilarejo nos arredores de Tóquio, assentava-se. O trabalho do diretor-roteirista Ryūsuke Hamaguchi com a longa duração entre planos fará do tempo ativo informador da psicologia comunitária e, porque mesmo atmosférico, recurso medioambiental a preservar-se.
Pacata, a existência do grupo seria ameaçada por um acampamento turístico de luxo (glamping) a instalar-se adjacente à residência de Takumi (Hitoshi Omika) e da filha Hana (Ryo Nishikawa), o que comprometeria a qualidade do fornecimento de água local. Equiparável à violência superpredatória capitalista antissociabilidades e opositora à relação ancestral (ontológica) homem-território, o perigo constituído à vida exigiria agência semelhante sobre a injustiça. Aos travellings e à profundidade de campo ampliada, o encerramento agora lateral em quadro subjaz a queda à iniquidade, em especial, quando sobreposto à mudança do esquema de iluminação e aos leitmotive. Antes solar, os cenários escurecem-se em azul à introdução no núcleo dos vetores da doença econômica (Ryûji Kosaka e Ayaka Shibutani). Se os galhos das árvores desfolham-se ante o avanço ao modo vivente originário, o relacionamento com a natureza e com outras espécies animais desestabilizar-se-ia à igual perda de orientação quanto à presença em espaço outrora produtor da subjetividade.
Atraída ao desconhecido, a pequena sucumbiria ao imponderável e, à névoa agora acinzentada da alma, o genitor radicalizaria a proteção a si e às pessoas amadas. A gravidade conquistada do tema musical é a da ruptura involutiva para o refazimento da ordem. Definitiva, contudo, a cisão provocada ao estado de coisas anterior promete alienar sujeitos e coletividade de seu passado, bem como clivar o presente ao futuro irremediavelmente tocado pela devastadora exploração do capitalismo financeiro. Revés imposto às múltiplas trajetórias coexistentes, o desenraizamento histórico-afetivo realiza-se evento traumatizador primordial do ciclo de sofrimentos gerado à idiotização da memória e à experiência de morte simbólica na economia política (Marx, 1859) vigente. Reduzidas ou não à indignidade, às gentes caberá resistir em legítima defesa.