O Homem dos Sonhos: cultura do cancelamento é temor de dolorosa indefinição identitária das brancas masculinidades

Thainá Campos Seriz
3 min readMar 28, 2024

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Pôster promocional de “O Homem dos Sonhos” (título original: “Dream Scenario”, 2023), longa com direção e roteiro de Kristoffer Borgli. Foto: reprodução.

Título original: Dream Scenario
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 102 minutos
Gênero: comédia; terror
Direção e roteiro: Kristoffer Borgli
Produção: Ari Aster, Tyler Campellone, Jacob Jaffke e Lars Knudsen
Fotografia: Benjamin Loeb
Trilha sonora: Owen Pallett
Montagem: Kristoffer Borgli
Desenho de produção: Zosia Mackenzie
Distribuição (Brasil): California Filmes
Elenco: Nicolas Cage, Julianne Nicholson, Michael Cera, Tim Meadows, Dylan Gelula, Dylan Baker

Não intencional, O Homem dos Sonhos (título original: Dream Scenario, 2023) (California Filmes, 2024) permite visualizar um interessante exercício de reposicionamento identitário da branca masculinidade ante o avanço da crítica intelectual às bases do pátrio poder em ambiente cibernético, sendo aí a cultura do cancelamento expressão quase paranoica de tamanha crise de redefinição subjetiva. A recorrência do emprego quase único de imagens padronizadas na era da conectividade já autorizaria concluir que pessoas tão esquecíveis quanto o professor universitário Paul Matthews (Nicolas Cage) transformam-se em notáveis sob a lógica do algoritmo, pois perfeitas a modelos ideais (societários) (Weber, 1864–1920) estabelecidos extratelas. Viral, a reprodução de um conteúdo sugerido ad nauseam forja, a partir da relevância massificada, unidade de troca em uma economia ainda material de dádivas (Mauss, 1923–4). Neste sentido, a escolha quanto ao uso da influência construída em rede sofre com um escrutínio desprezadamente público e, motivado ou não, o escracho seguido pertence à dinâmica interna de recriação continuada do poder influenciador do capital aí acumulado. Se explicitado encontra-se o cenário dirigido e roteirizado por Kristoffer Borgli, contudo, a análise supraimagética do temor evidenciado torna a abordagem adotada no longa explorável a uma perspectiva crítica racial.

Nicolas Cage é Paul Matthews, um professor universitário frustrado por não ter seu brilhantismo devidamente reconhecido. Foto: reprodução.

Longe de qualquer genialidade, Matthews é alguém desprezado por ser pedante. Quando o então lugar de notoriedade permanente de pessoas brancas passa a ser contestado à pluralização digital, à denúncia da irrelevância de atores sociais avalizados em suas mediocridades e de questionáveis práticas associadas à perpetuação de vantagens seculares, um alegado ataque a reputações via descrédito do sistema simbólico de liberalidades assume o centro de uma crítica, aliás, já racializada do mesmo debate: o mecanismo é histórico na desautorização discursiva de grupos minoritários. Diga-se de passagem, uma empresa tecnológica qual a disponível a Paul M. de invasão aos sonhos da companheira Janet (Julianne Nicholson) para a reabilitação da própria figura atesta o controle midiático-narrativo hegemônico das brancas sensibilidades frente a operações de limpeza de imagem.

Não obstante esteja o enredo bem-tematizado à decupagem, à paleta de cores variada e a uma iluminação afeita às passagens temporais, o roteiro de Dream Scenario, estreia desta quinta-feira (28) nos cinemas brasileiros, parece apenas divagar na tese pretendida, mas sem complexificá-la. Válido, o diálogo tentado seria mais exitoso, se talvez ousasse ir além da autocomiseração vitimizante.

Com o futuro de uma união de décadas em risco, Matthews (Nicolas Cage) tenta invadir os sonhos da companheira Janet (Julianne Nicholson) para reabilitar a própria imagem, depois da catástrofe do cancelamento das redes. Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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