O Desafio de Marguerite: a interdição da intelectualidade a mulheres torna penosa a vida de cientistas além-disciplina
Título original: Le Théorème de Marguerite
País de origem: França (2023)
Duração: 112 minutos
Gênero: drama
Direção: Anna Novion
Roteiro: Mathieu Robin e Anna Novion
Adaptação: Mathieu Robin e Anna Novion
Produção: Miléna Poylo e Gilles Sacuto
Coprodução: Aline Schmid e Adrian Blaser
Direção de fotografia: Jacques Girault
Direção de arte: Mila Preli
Trilha sonora: Pascal Bideau
Montagem: Anne Souriau
Distribuição (Brasil): Synapse Distribution
Elenco: Ella Rumpf, Jean-Pierre Darroussin, Clotilde Courau, Julien Frison, Sonia Bonny
Estreia de Cannes 2023 e parte da seleção do Festival Varilux de Cinema Francês do mesmo ano, O Desafio de Marguerite (título original: Le Théorème de Marguerite) (Synapse Distribution, 2023) ilustra algo ainda particularmente inescrutável frente à quase interrompida trajetória da homônima protagonista na academia. Em ambiente historicamente hostil à presença de grupos minorizados, mesmo sob pressão, a brilhante matemática Marguerite Hoffmann (Ella Rumpf) destaca-se por importantes estudos acerca da Conjectura de Goldbach (teoria dos números primos) na École Normale Supérieure (ESN), campus Paris. Contudo, aquando da apresentação dos resultados parciais da tese de doutoramento em um seminário de pós-graduandas e graduandos, a partir da provocação do recém-chegado colega Lucas (Julien Frison), M. Hoffmann vê sua principal hipótese de pesquisa refutada e, em um rompante, decide abandonar carreira e universidade. Estarrecedora ou não a decisão da especialista, fato é que o retrato em tela não é inusual ao cotidiano de mulheres cientistas.
As cores frias e a persistência de um excesso de penumbras à iluminação de cada um dos cenários do 1º ato conseguem situar a pessoa espectadora em meio à solidão e à angústia da ansiedade de Hoffmann pelo escrutínio de pares e pela satisfação de irreais expectativas, porque impostas ou já introjetadas, frente ao estrondoso sucesso ou ao retumbante fracasso da única estudiosa do meio. O enfrentamento dos dramas da existência além dos muros da ESN revela a Marguerite, além dos desafios da vida a trilhar já sem a proteção das adultas e dos adultos de referência, a beleza e as frustrações do amor em vária expressão, igualmente desveladas no aprendizado construído de si e das próprias emoções. O transmutar em cores quentes e em vibrante iluminação de figurinos e de backgrounds nos atos seguintes insere o desabrochar da personagem de Ella Rumpf em imagem, cujo processo, aliás, reconcilia-a com a paixão à disciplina e com a intelectualidade.
Se a interdição de espaços de produção do conhecimento e do sistema simbólico de recompensas a agências femininas sequestra intelectual e emocionalmente o direito à vida e à dignidade do bem-viver, apenas a partilha da jornada com iguais e soluções coletivas à misoginia estrutural serão capazes de interromper ausências motivadas, silêncios e a geração desnecessária de sofrimento.
Inspirado na história da matemática francesa Ariane Mézard e na biografia mesma da diretora Anna Novion, O Desafio de Marguerite chega nesta quinta-feira, dia 7/12, aos cinemas brasileiros.