O Bastardo: realidade de opressão supera fantasia de preeminência nobiliárquica em contundente drama histórico de Nikolaj Arcel
Título original: Bastarden
Países de origem: Dinamarca, Suécia, Noruega e Alemanha (2023)
Duração: 87 minutos
Gênero: drama histórico; biografia
Direção: Nikolaj Arcel
Roteiro: Anders Thomas Jensen & Nikolaj Arcel
História original: Ida Jessen (2020)
Produção: Louise Vesth
Produção executiva: Mouns Overgaard
Fotografia: Rasmus Videbæk
Montagem: Olivier Bugge Coutté
Desenho de som: Claus Lynge e Hans Christian Kock
Direção de arte: Jette Lehmann e Jesper Clausen
Direção de elenco: Tanja Grunwald
Figurino: Kicki Ilander
Maquiagem e cabelo: Sabine Schumann
Distribuição (Brasil): Pandora Filmes
Elenco: Mads Mikkelsen Amanda Collin, Melina Hagberg, Simon Bennebjerg, Kristine Kujath Thorp, Edel Helene, Gustav Lindh, Morten Hee Andersen
Os arroubos nobiliárquicos de um brioso representante da casta militar setecentista dinamarquesa (1755) infundiriam simpatia quase nula à obstinada tentativa de Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen) por uma audiência real. Após vinte anos de serviços e da expectativa da morte em campo de batalha, o retornado oficial solicitava a aprovação do colonato nas terras improdutivas de Jutlândia, sob pretexto de desenvolvê-las. Menoscabado em seu intento e ante o avanço das dificuldades de uma empresa agrícola, o brutal capitão confrontaria as suseranias locais para o desafio da ordem da razia dos bem-nascidos sobre os de baixo (ver sentido de Thompson, 1966), à semelhança das batalhas (já) travadas em âmbito pessoal.
Nos inóspitos urzais do país nórdico, Nikolaj Arcel (O Amante da Rainha) faz da visualidade de O Bastardo (título original: Bastarden, 2023) (Pandora Filmes, 2024) a síntese do dúbio trabalho do protagonista de Mads Mikkelsen pela consecução do destino imaginado próprio, porque antes de direito. Temático aos diálogos do ato inaugural, o jugo da natureza às humanidades estabeleceria no domínio de luzes e de sombras da iluminação também natural da fotografia de Rasmus Videbæk a dissonância psíquica experimentada na queda aos (imutáveis) códigos aprendidos das hierarquias sociais e o enfrentamento do caos instalado por Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg) no continuísmo do status quo. Enquanto o esquema triangular do jogo de câmeras fundava a opressão a desmantelar às ações do agora proprietário de terras, por outro lado, a decupagem refletia a preeminência moral de Kahlen à extravagante mediocridade de De Schinkel e introduzia a transgressão do objetivo do agricultor frente ao território contestado. Se o abuso de zoom ins e de zoom outs em primeiríssimos planos alternaria finalmente o retrato da altivez e da solidão naquele esforço de sucesso, a consolidação de alianças e de laços afetivo-relacionais abalaria as certezas estáveis de um rígido mundo no encontro com iguais dignidades aviltadas aos grandes e aos pequenos, pois subopressores, poderes.
O acolhimento pós-rechaço inicial da pequena cigana Anmai Mus (Melina Hagberg) e de Ann Barbara (Amanda Collin) assentaria o entendimento da nunca superada condição oprimida à personagem principal, ao passo que as perdas acumuladas às injustiças reproduzidas, às mortes provocadas de inocentes, à paternidade e ao romance interrompidos amargariam a conquista maior, por fim, abandonada. Em oposição ao triunfo individual(ista), a partida rumo à nova vida da jovem filha (Laura Bilgrau Eskild-Jensen) inspiraria o fio da busca compartilhada da felicidade no amor, este ativo de posse inviolável. Devolvido o verde à terra curada do colonialismo, ao florescer final da além-sobrevivência em si caberia, conclua-se, a tarefa de existir.