O Aprendiz: genealogia da iniquidade trumpista de Ali Abbasi soa teleológica por anunciar mal já concretizado em nova tentativa de prenúncio do fim às vésperas de outro novembro presidencial estadunidense
Título original: The Apprentice
Países de origem: Canadá, Dinamarca, Irlanda e Estados Unidos (2024)
Duração: 120 minutos
Gênero: drama; biografia
Direção: Ali Abbasi
Roteiro: Gabriel Sherman
Produção: Daniel Beckerman, Ruth Treacy, Julianne Forde, Jacob Jarek, Louis Tisné e Ali Abbasi
Fotografia: Kasper Tuxen Andersen
Montagem: Olivier Bugge Coutté e Olivia Neergaard-Holm
Direção de arte: Aleks Marinkovich
Trilha sonora: David Holmes, Brian Irvine e Martin Dirkov
Edição sonora: Christer Melén
Maquiagem: Colin Penman
Figurino: Laura Montgomery
Distribuição (Brasil): Diamond Films
Elenco: Sebastian Stan, Jeremy Strong, Maria Bakalova, Martin Donovan
Seguida a hecatombe, esforço aí concorrente parece ser a busca por respostas como medida de evitação de novas tragédias. Anunciável, contudo, a farsa já se o era antes de concretizar-se, e à passagem do horror, o recurso à história tributa-se fuga mobilizadora de prenúncio renovado do fim. Em O Aprendiz (título original: The Apprentice) (Diamond Films, 2024), a proposta de reconstrução cronológica da trajetória pré-institucionalidade de Donald J. Trump (Sebastian Stan) faz de Ali Abbasi (Holy Spider) arqueólogo da genealogia do caos estadunidense dominante nos anos 2017–21 e de suas repercussões globais. À revelia de método e de elucidações acerca da conjuntura setentista nacional, a decupagem pretende-se algo historiográfica no emprego de distintas lentes (ou seriam filtros?) para o registro da informada inescrupulosidade de atuação do herdeiro empreendedor do ramo imobiliário na cultura de celebridades do país.
Na réplica feita conhecer de slogans incorporados (ou apropriados) à novilíngua (Orwell, 1949) da personagem em aparições públicas ainda pioneiras, as linhas de diálogo objetivam psicologizar a ascensão da figura cujo ridículo político (Tiburi, 2017) locupleta-se aos privilégios de classe e à masculinidade raci-homofóbica sobremaneira insuflados pelo advogado e mentor Roy Cohn (Jeremy Strong). Neste sentido, a maquiagem exagerada e a fisicalidade do protagonista de Sebastian Stan bem-inscrevem ao corpo a evolução de facilitada agência infralegal e o funesto amparo de signos de retórica homonacionalista (Preciado, 2017), porque branco-patriarcal, fascistoide e autoritária. Cafona, a estética refrata o triunfo do ideário neoliberal reaganiano sobre a narrativa de sucesso forjada ao teatro social de obscena, pois roubada, riqueza. Por fim, o protagonismo de modelagem da faceta estético-política de Trump é não elogiosamente reconciliado a um Cohn cujo trabalho aglutinara a discursividade e a visão por que o futuro 45º presidente dos EUA seria consagrado (contém ironia).
Provocadores, o auto-ódio de um e de outro retroalimentaria a persecução de poder responsável pelas quedas pessoais e pelo sequestro de lealdade antecessor do impulso à indecência total. Se por afeição ou por interesse romântico sublimado, com até espantosa rapidez, o mestre terminara fagocitado ao aprendiz na luta por supremacia titânica no Olimpo neoclássico do sonho americano. Original, a interpretação de Abbasi far-se-ia mais verossímil, se afastado de demonstrações de falso arrependimento fosse qualquer resquício de moralidade. Problema maior da teleologia da iniquidade executada é a tentativa da remediação de passado, entretanto, presentificado em futuro já real e, porque inócua, The Apprentice soa ingênuo ao querer afigurar-se instrumento desmoralizador do arbítrio e da infâmia trumpistas.