Nyad: a falácia meritocrática desperdiça o bom debate sobre velhices e um filme per se

Thainá Campos Seriz
3 min readJan 11, 2024

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Pôster promocional de “Nyad” (Netflix, 2023), com Annette Bening e Jodie Foster. Foto: reprodução.

Título: Nyad
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 120 minutos
Gênero: biografia; drama esportivo
Direção: Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin
Roteiro: Julia Cox
Obra original: Diana Nyad
Produção: Peter Hartwig, Jakob D. Weydemann e Jonas Weydemann
Direção de fotografia: Claudio Miranda
Montagem: Christopher Tellefsen
Trilha sonora: Alexandre Desplat
Distribuição (Brasil): Netflix
Elenco: Annette Bening, Jodie Foster, Rhys Ifans, Karly Rothenberg, Jeena Yi, Luke Cosgrove, Eric T. Miller, Garland Scott

Difícil foi assistir a Nyad (Netflix, 2023) e ter de tragar a balela meritocrática do manifesto destino pró-consecução de uma autoarroagda grandeza. Entre imagens de arquivo e dramatizações, o longa biográfico homônimo percorre a história da travessia Cuba-Flórida cinco vezes tentada e, ao fim, realizada por Diana Nyad (1949), em evidente narrativa apologética ao pioneirismo e aos feitos da carreira desportiva da nadadora nova iorquina. A insistência em planos médios e em primeiríssimos planos visa reafirmar a destacada agência de uma Nyad, aliás, pujantemente captada por Annette Bening em cena, sem, no entanto, relativizá-la às conhecidas controvérsias por que a atleta encontra-se cercada. Se o recurso a flashbacks procura recuperar parte da biografia não elaborada da protagonista com até enfadonha recorrência, porquanto poderia integrar o enredo — a exemplo da adoção por Aristotle Z. Nyad (Aris Notaras) e do estupro sofrido aos 14 anos — , por outro lado, os zênites visuais contribuem ao falacioso reforço de certa solidão à genialidade de uma conquista, diga-se, já efetivada em tempos pretéritos (1978 e 1997) e ainda hoje sob escrutínio da Associação Mundial de Nadadores em Mar Aberto. O importante contraponto emocional oferecido por Bonnie Stoll (Jodie Foster) à obsessão quase suicida da treinada é, por sua vez, neutralizado ante a covardia assente a uma visão nada plural, porque autocentrada, do relato inspirador da produção em análise.

Annette Bening (esquerda) e Jodie Foster (direita) vivem, respectivamente, Diana Nyad e Bonnie Stoll, treinada e treinadora neste drama biográfico-esportivo. Foto: reprodução.

Neste sentido, mesmo relevante, a disposição reflexiva de Nyad acerca da velhice feminina pode ser, e é, criticável. Enquanto a personagem principal é mostra da irrefutável capacidade de realização de mulheres mais velhas, dada a continuidade do viver, a crença obstinada na (re)fundação de um propósito necessariamente a justificar a existência prático-laboral daquelas sujeitas faz perder de vista a singularidade humana (mulheril) além-trabalho e o debate coletivo — ou seja, a nível de políticas públicas — sobre o cuidado e a atenção societário-estatais (não fóbicos) às velhices. Orientar a vida a objetivos não é exaurir corpo e espírito à funcionalidade utilitarista do capital (de base eugênica e capacitista), mas quer tão somente garantir a visibilidade e o direito à empatia frente ao merecido descanso de uma vida. De forma não surpreendente, a reprodução de dois ou de mais sistemas opressivos acaba ideologicamente amparada entre o filme, pois antes ode (coerente) à exaustão meritória/fatalista de esforços, em geral, indisponíveis aos desafortunados/às desafortunadas vocacionais (contém ironia) e ao voluntarismo implícitos nas escolhas do roteiro quanto à glorificação acrítica e unilateral da personalidade biografada.

Com dupla direção de Elizabeth Chai Vasarhelyi e de Jimmy Chin e roteiro de Julia Cox, Nyad, além de baseado em Find a Way (Random House Audio, 2015), volume de autoria de Diana Nyad, já pode ser conferido na Netflix.

À esquerda, Annette Bening como Diana Nyad. À direita, a própria biografada. Fotos: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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