Nosso Amigo Extraordinário: o cuidado e a atenção com a velhice devem ser defesas da nossa dignidade

Thainá Campos Seriz
3 min readSep 6, 2023

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Pôster oficial de “Nosso Amigo Extraordinário” (título original: “Jules”) para os cinemas brasileiros. Foto: reprodução.

Título original: Jules
País de origem: Estados Unidos
Gênero: drama, comédia
Duração: 87 minutos
Direção: Marc Turtletaub
Roteiro: Gavin Steckler
Produção: Michael B. Clark, Andy Daly, Deborah Liebling, Alex Turtletaub e Marc Turtletaub
Produção executiva: David Bausch
Trilha sonora: Volker Bertelmann
Distribuição: Synapse Distribution
Elenco: Ben Kingsley, Harriet Sansom Harris, Jane Curtin, Jade Quon, Zoe Winters, Teddy Cañez, Narea Kang, Edward James Hyland, Blair Baker

Eu saúdo a sensível direção de Marc Turtletaub e o excelente roteiro de Gavin Steckler para este Nosso Amigo Extraordinário (título original: Jules) (Synapse Distribution, 2023), longa que chega nesta quinta-feira, dia 7/9, aos cinemas do Brasil. Apenas lamento por ainda ter de falarmos sobre extraterrestres, quando o assunto, no entanto, é a nada alienígena velhice.

Ben Kingsley (“Gandhi”) é Milton Robinson, septuagenário morador de uma pacata cidade interiorana estadunidense cuja enfadonha vida é atravessada pelo pouso forçado de uma nave espacial em seu jardim de azaleias. Algo afastado da descendência, porque talvez emocionalmente distante de sua educação, Robinson passa a ter em Jules/Gary, o ser de outro planeta (ou galáxia) interpretado por Jade Quon, uma companhia pouco convencional para aplacar a solidão. Mesmo os cuidados dedicados pela filha Denise (Zoe Winters, “Succession”), inclusive, os concernentes ao possível diagnóstico de uma doença mental, sofrem com a resistência de Milton, acolhido em inteireza, por fim, pelas vizinhas de bairro Sandy (Harriet Sansom Harris, “Trama Fantasma”; “Licorice Pizza”) e Joyce (Jane Curtin, “Uma Família de Outro Mundo”; “Eu Te Amo, Cara”).

Momento em que a nave espacial de Jules/Gary (Jade Quon) pousa forçadamente sobre o jardim de azaleias e a fonte dos passarinhos de Milton (Ben Kingsley). Foto: reprodução.

A escolha da alegoria é, digo-o com pesar, pertinente: a velhofobia de sociedades patriarcais, vide a estadunidense — a brasileira não está excluída — , relega as mais velhas e os mais velhos ao silêncio e à escuridão da invisibilidade, seja pela ausência de políticas públicas focalizadas ou pela aparente incapacidade coletiva em lidar com a decadência física e/ou psíquica de nossos pais/avós e, por conseguinte, com a debilidade individual revelada. O descolamento entre uns e outros aí originado transforma-nos em pessoas infensas à escuta e à atitude mais atentas, acolhedoras aos medos, aos anseios e a outros desejos da população idosa. Em outras palavras, tornamo-nos alienígenas, assim desconhecedores e desconhecedoras da nova comunicação a estabelecer com o grupo, e forçamos o ostracismo de quem, então, passamos a não compreender. Movimento parecido ocorre também, conforme aludido no longa, a imigrantes e a descendentes de imigrantes, transmutados que são em ameaças à ordem.

A incomum parceria estabelecida entre Milton, Sandy, Joyce e Jules/Gary explica-se enquanto espaço construído de proteção e de acolhimento, advindos ambos de alguém não humano. Se envelhecer é parte da vida, partir com dignidade igualmente o é. Falar pelos cotovelos, ou achar que se o faz ante uma nova presença, é sinônimo da convivência em demasiado com o silêncio; definir os olhos de um não terráqueo como compreensivos é expressão da vontade de ser vista, ou de voltar a sê-lo, não obstante o tempo de uma só canção. Solidariedade não pode ser-nos alienígena, e olhos, ouvidos e companhia atenciosos aos nossos velhos e velhas são demonstrações de respeito e de afeto à própria história.

Da esquerda para a direita: Joyce (Jane Curtin), Sandy (Harriet Sansom Harris), Milton (Ben Kingsley) e Jules/Gary (Jade Quon). Foto: reprodução.

Inofensivo na aparência (contém ironia), Nosso Amigo Extraordinário é, com segurança, uma das mais empáticas e belas abordagens à velhice no cinema e, se você fosse, acolheria este chamado de amor pela nossa história ainda viva.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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