Nosferatu: terror gótico critica resiliência do primado da razão capital-iluminista sobre as humanidades em densa viagem ao passado de Robert Eggers

Thainá Campos Seriz
3 min readJan 6, 2025

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Pôster promocional de “Nosferatu” (2024) (Universal Pictures, 2025), longa dirigido e roteirizado por Robert Eggers que reimagina o longa “Nosferatu, Uma Sinfonia do Horror” (título original: “Nosferatu, eine Symphonie des Grauen”. Dir.: F. W. Murnau, 1922), uma adaptação do clássico de autoria do romancista irlandês Bram Stoker (“Drácula”, 1897). Foto: reprodução.

Título: Nosferatu
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 132 minutos
Gênero: gótico; terror
Direção e roteiro: Robert Eggers
História: Henrik Galeen (1922)
Obra original: Bram Stoker (1897)
Produção: Robert Eggers, Chris Columbus, Eleanor Columbus, Jeff Robinson e John Graham
Fotografia: Jarin Blaschke
Montagem: Louise Ford
Direção de arte: Craig Lathrop
Música: Robin Carolan
Desenho de som: Michael Fentum
Figurino: Linda Muir e David Schwed
Distribuição (Brasil): Universal Pictures
Elenco: Bill Skarsgård, Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, Emma Corrin, Aaron Taylor-Johnson, Simon McBurney, Ralph Ineson, Willem Dafoe

Robert Eggers parece enxergar similaridades nos tratamentos filosóficos oitocentista e contemporâneo para o tema da obsessão e, por este motivo, Nosferatu (2024) (Universal Pictures, 2025) compreende a feliz tentativa de responder à angústia do presente por viagem a passado cujo fenômeno nuançar-se-ia com igual rechaço. Reconstruída em acurados detalhes, a Wisburg de Bram Stoker (1897) compartilharia com a atormentada Ellen Hutter (Lily-Rose Depp) dilema nevrálgico: tendo o triunfo iluminista dos Oitocentos suplantado o medievalismo romani fundador da cidade alemã, à protagonista, a pulsão de vida oriunda de expressão dissidente da casta, pois ariana, feminilidade hegemônica resultaria medicalizada. Síntese extracorpórea do sofrimento causado à repressão subjetiva mulheril, metonimicamente, o Conde Orlok (Bill Skarsgård) assenta-se ferramenta que, expressionista, confere densidade psicanalítica à solidão a enfrentar por Hutter ante a perspectiva do (breve) abandono marital e o jugo doméstico do desejo.

Atormentada pela supressão de seus desejo e interioridade desde tenra idade, Ellen Hutter (Lily-Rose Depp) sucumbe à escuridão metonimizada por Conde Orlok (Bill Skarsgård) como fuga desesperada à angústia que, existencial, é medicalizada pelo entorno e pelo próprio companheiro Thomas (Nicholas Hoult), um ambicioso corretor de imóveis. Fotos: reprodução.

Miasmática, a névoa densa é simbólica do esmaecimento da metafísica das humanidades ao primado da razão científica. Assim como o jogo de luzes e de sombras da fotografia de Jarin Blaschke, os superzooms imprimem à psicologia desvelada a dissociativa oposição espírito/alma-corpo sobre a qual Thomas (Nicholas Hoult) e os doutores Sievers (Ralph Ineson) e von Franz (Willem Dafoe) navegarão em zelo antipropagador do ciclo de peste bubônica endemizado — metáfora da decadência cartesiana e do industrialismo civilizatório das mentalidades — . Reverente aos seminais quase homônimos de 1922 e de 1979, a versão de 2024 fez ainda mais vocais os anseios das recém-nubentes de Isabelle Adjani e de Lily-Rose Depp contrários ao sequestro de suas individualidades às determinações normativas e tornou urgente afã de saída coletivo à hecatombe das maiorias minorizadas (étnico-raciais e de gênero) em detrimento da supremacia dos impérios técnico-coloniais de ontem e de hoje.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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