Monster: as infâncias forjam mundo melhor ao legado por adultos — e precisamos acreditar nisso como solução ao fim do mundo

Thainá Campos Seriz
4 min readDec 13, 2023

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Pôster promocional de “Monster” (título original: “Kaibutsu”; 怪物), filme com direção de Hirokazu Kore-eda. Foto: reprodução.

Título original: Kaibutsu; 怪物
País de origem: Japão (2023)
Duração: 126 minutos
Gênero: drama; LGBTQ+
Direção: Hirokazu Kore-eda
Roteiro: Yûji Sakamoto
Produção: Minami Ichikawa, Ryo Ota, Kiyoshi Taguchi, Hajime Ushioda, Kenji Yamada e Tatsumi Yoda
Direção de fotografia: Ryûto Kondô
Trilha sonora: Ryūichi Sakamoto
Direção de arte: Keiko Mitsumatsu
Montagem: Hirokazu Kore-eda
Figurino: Mieko Ito e Kazuko Kurosawa
Distribuição (Brasil): Imovision
Elenco: Sakura Andō, Eita Nagayama, Soya Kurokawa, Hinata Hiiragi, Yūko Tanaka

Monster (título original: Kaibutsu; 怪物) (Imovision, 2023) seria outro filme sobre as infâncias, não fosse a escolha por abordagem com recorrência ausente, porém desvelada de forma, além de original, empática. Viúva, Saori Mugino (Sakura Andō) quer entender a mudança quase sombria de comportamento do filho Minato (Soya Kurokawa), não obstante a perda ainda sentida do pai. Mais de uma vez provocado a externar os sentimentos, o menino revela ter sofrido violências verbal e física do professor Michitoshi Hori (Eita Nagayama) em ambiente escolar. Ao deparar-se com a tentativa de proteção institucional ao agressor, em reação à misoginia por que sua figura (mãe solo e solteira) é encarada, Mugino força, em vão, a demissão de Hori. O desfecho poderia assentar-se já na resolução do aparente problema da convivência professor-aluno via debate dos dilemas da educação e do luto enfrentado em tenra idade, não fosse a saída surpreendente à obviedade do roteiro de Yûji Sakamoto.

Na imagem à esquerda, o menino Minato Mugino (Soya Kurokawa) aparece ao lado da mãe, a jovem Saori Mugino (Sakura Andō). Na imagem à direita, o destaque fica com o professor Michitoshi Hori (Eita Nagayama). Fotos: reprodução.

As aparências nunca se conformam em si, e o trabalho narrativo de deslocamento à visão perspectivada de cada personagem acerca de um mesmo evento — em tela, perceptível por distintos enquadramentos — desvela fobias, injustiças e a criada hipocrisia social frente à fuga imatura da adultez à responsabilidade de ações individuais. A sobriedade refletida de Minato nas cores frias de figurinos e de cenários claustrofóbicos a um sofrimento emocional de motivações em parte desconhecidas tem enquanto contraste os vibrantes tons pastéis dos elementos de composição da personagem Yori Hoshikawa (Hinata Hiiragi). Alvo de homofobia por colegas de classe, Hoshikawa em nada abdica da singularidade do próprio existir ao entorno, embora o afastamento escolhido do companheiro de turma insira uma importante contradição neste relacionamento em destaque. Para afastar rumores de uma além-amizade com Yori, igualmente assombrado em casa por sua masculinidade gentil e/ou sexual dissidente, o menino Mugino forja a acusação contra o professor Hori, cujas vidas pessoal e profissional sofrem um revés.

Espanto não é, ou deveria ser, a homoafetividade ou as masculinidades vividamente contra-hegemônicas, mas a incapacidade adulta em desfazer-se de crenças fóbicas limitantes e violadoras das das humanidades dos pequenos, aliás, sujeitos e sujeitas de direitos. Papel das adultas e dos adultos de referência é, a partir de escutas empática e respeitosa, ensiná-los e ensiná-las a não afugentar seu grito de liberdade ao mundo, em reprodução geracional às dores também sofridas pelas crianças idas do passado. A beleza da dolorosa cena entre a diretora Makiko Fushimi (Yūko Tanaka) e Minato é de pronto superada com a corrida final rumo à vida de Hoshikawa e de Mugino, porque renascidos em quem são, na exata medida em que retoma um desfecho não redimível ao fim escolhido ou levado a termo (suicidado) pelas contrapartes, como em Close (Lukas Dhont, 2022) — a orientação da decupagem é, inclusive, a mesma — .

Minato (Soya Kurokawa) e Yori (Hinata Hiiragi) correm renascidos para as próprias vidas. Foto: reprodução.

A vida com dignidade deve ser-nos imaginável, pois, sim, experiência possível. A partir de universo e de vocabulário próprios, crianças forjam mundo melhor ao legado por adultos e adultas, e a direção de Hirokazu Kore-eda foi sensível ao também percebê-la imagem e possibilidade.

Vencedor do Prêmio de Melhor Roteiro de Cannes 2023, Kaibutsu já pode ser visto nos cinemas do país.

À esquerda, a personagem do doce menino Yori Hoshikawa (Hinata Hiiragi). À direita, nosso já conhecido Minato Mugino (Soya Kurokawa). Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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