Megalópolis: utopia dourada de Francis Ford Coppola pretende-se registro autocentrado de biografia filmográfica em momento percebido de transição da história do cinema

Thainá Campos Seriz
3 min readNov 6, 2024

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Pôster promocional de “Megalópolis” (título original: “Megalopolis”) (O2 Play, 2024), longa dirigido, roteirizado e coproduzido por Francis Ford Coppola. Foto: reprodução.

Título original: Megalopolis
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 138 minutos
Gênero: drama; ficção científica
Direção e roteiro: Francis Ford Coppola
Produção: Barry Hirsch, Fred Roos, M. Bederman e Francis Ford Coppola
Fotografia: Mihai Mălaimare Jr.
Montagem: Cam McLauchlin e Glen Scantlebury
Direção de arte: Beth Mickle e Bradley Rubin
Música: Osvaldo Golijov
Desenho de som: Nathan Robitaille e Tyler Whitham
Figurino: Milena Canonero
Distribuição (Brasil): O2 Play
Elenco: Adam Driver, Giancarlo Esposito, Nathalie Emmanuel, Aubrey Plaza, Shia LaBeouf, Jon Voight, Laurence Fishburne, Kathryn Hunter, Dustin Hoffman

Antes propagador de ideais, Francis Ford Coppola persegue-se e à obra de uma vida em Megalópolis (título original: Megalopolis) (O2 Play, 2024), registro material-historiográfico do estado de coisas da arte, pois da própria filmografia, em exercício estilístico pretendido de transição. Fabular, o experimentalismo da forma resulta genético da utopia dourada cujo esplendor visual atrela-se materialmente ao ocaso da romana Hollywood e à decadência do império do país norte-americano. Na tela, o diretor-roteirista elucubra Cesar Catilina (Adam Driver) como o arquiteto incompreendido de uma Nova Roma cinematográfica reconhecida juvenil, porém promissora em criatividade.

Outrora arquiteto incompreendido da Nova Roma cinematográfica, Francis Ford Coppola insere-se e a própria história em cena como Cesar Catilina (Adam Driver), o ditatorial pacificador que, à queda do império, pretende construir a utopia dourada dos sonhos e da igualdade para todos, mas é julgado conspirador. Foto: reprodução.

Se o criticismo exacerbado — ou tão só adulador, conforme revivescido por Wow Platinum (Aubrey Plaza) — fá-lo desequilibrar-se entre o suicídio, o devaneio e a (adicta) loucura, a recorrente metáfora clássica projeta o narcisismo do ditatorial pacificador (Júlio César) (nascido Caio Júlio César, 100 AEC-44 AEC) acusado de conspiração (Catilina) (nascido Lúcio Sérgio Catilina, 108 AEC-62 AEC) pela empresa a replicar a vertical metrópole fritz languiana (1927) ao ex-representante do Ministério Público eleito alcaide Franklin Cicero (Giancarlo Esposito), ícone do pedante advogado com pretensões políticas homônimo de outrora (nascido Marco Túlio Cícero, 106 AEC-43 AEC). Heteroatribuído soviético, o intento de coletivização da aurora artística de nome megalon é estressor dissociativo da paranoia racidireista estadunidense locupletada à retórica homonacional (cf. Preciado, 2017) antimigrante do herdeiro autocrata Clodio Pulcher (Shia LaBeouf), repetida farsa (no sentido de Marx, 1852) a atravessar da Guerra Fria (1949–1991) a história contemporânea. Já no teatro da manifesta vocação civilizadora da plutocracia natal, a performance do destino ao sonho denegaria (ver Freud, 1925) o vínculo com o presente até a chegada da assistente-amante Julia Cicero (Nathalie Emmanuel) à vida do inventor, ao que a remissiva inspiração (1981) do romance com a filha do maior adversário assume tons ora shakespearianos, ora stokerianos (1897; 1992) na feitura da quase tragédia conspurcadora do amor ao passado e à solidão do poeta.

Penetrado de maneira indelével, o Quarto Vermelho lynchiano (1990–1) da mente do intelectual dissolve-se à também rubra insistência da amada na parceria criativa do mundo-legado, enquanto de verde colore-se a harmonia agora compartilhada da mesma busca. Do futuro lado a lado dependerá a continuidade do tempo e, porque autores, os artistas — veja-se a saudosa Eleanor Coppola (1936–2024) representada — gestam coletivo o produto de sua criação. Coppola acredita ter a megalomania redimida ao balanço intergeracional dos feitos públicos da conturbada trajetória no cinema e, por isso, o mais biográfico dos longas da carreira do cineasta de Michigan inscreve-se relato autocentrado de existência dedicada ao campo do saber visual da humanidade.

Na utopia retrofuturista catiliana (Driver) de abóbada dourada, os sonhos agora partilhados com a assistente-amante Julia Cicero (Nathalie Emmanuel) feminizam-se em contorno e em empatia, pois algo mais conectados com seu propósito. Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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