Maria Callas: antibiografia de Pablo Larraín constrói realismo único para a mágica interioridade nunca alcançada da icônica soprano absoluto entre a própria tragédia
Título original: Maria
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 123 minutos
Gênero: musical; drama; biografia
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Steven Knight
Produção: Juan de Dios Larraín, Lorenzo Mieli e Jonas Dornbach
Fotografia: Edward Lachman
Montagem: Sofía Subercaseaux
Direção de arte: Guy Hendrix Dyas
Desenho de som: Gwennolé Le Borgne
Figurino: Massimo Cantini Parrini
Distribuição (Brasil): O2 Play
Elenco: Angelina Jolie, Pierfrancesco Favino, Alba Rohrwacher, Kodi Smit-McPhee, Valeria Golino, Haluk Bilginer, Lydia Koniordou
A (breve) síntese da trajetória nos palcos da personagem-título vincula Maria Callas (título original: Maria, 2024) (Diamond Films, 2025) a esforço mais detidamente biográfico de Pablo Larraín frente à dupla anterior de filmes da trilogia (até aqui) composta por Jackie (2016) e por Spencer (2021). À abertura, Angelina Jolie insere-se na reconstituição de icônicos marcos da carreira da soprano absoluto greco-estadunidense (nascida Maria Anna Cecilia Sofia Kalogerópulos, 1923–1977) para seguir com o estudo, além de psicológico, realista mágico da personagem cuja divisiva jornada envolveria a alternância entre memória, culpa e desejo na tessitura de fantasia jamais concretizada sobre a própria interioridade. Se a realização em três atos confere veio operístico à linha narrativa processada, o intermédio todavia executado revelar-se-á gentil adágio na sequência das estações de clássica tragédia sacrificial feminina.
A fotografia granulada e em sépia de planos gerais (abertos) e fechados (em locação) reforça o caráter onírico da quase monocromática descida ao Hades de traumas da entrada no mundo artístico, a considerar-se o talento descoberto por força do assédio nazista à família formada pela mãe (Lydia Koinordou) e pela irmã primogênita (Valeria Golino). Heteroatribuído por ingerência materna, o destino nos palcos tornar-se-ia único, pois espaço pós-traumático de vazios afetivos só sanados, diga-se, à presença dos fiéis Ferruccio Mezzadri (Pierfrancesco Favino) e Bruna Lupoli (Alba Rohrwacher). Neste sentido, a câmera atrai-se à diva à semelhança do magnetismo de multidões aprendido na dança da morte infantil e envidado por La Callas em movimento dissociativo da personalidade. Já romântica, a ilusória proteção paterno-masculina suscitada por Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer) sedimentaria dependência emocional latente e constrangeria a protagonista a abdicar da voz enquanto instrumento de barganha do amor público e ativo identitário no edipiano limbo da vida.
Algo coerente, o resgate autocentrado da historia íntima sob alucinações preserva insondável o encontro consigo, porque sob vocalização não performática de dores, de anseios e de sonhos a quaisquer sistemas patriarcais externos de agradabilidade. Cruel, o sóbrio conhecimento das fracassadas tentativas de retorno às apresentações ao vivo e da (há) muito fragilizada saúde faria do atento mordomo Prometeu punido com o arrastar intermitente do piano de ensaios ao Olimpo de nadas da moderna mitologia titânica de Callas. Com vistas à garantia da paz e de desejado silêncio no altar dos deuses, a Eugênia de Maria ofertar-se-ia dádiva e, em troca da eternidade na nota derradeira, à reprodução de Eco, condenados seríamos nós a desvendar o enigma callasiano à la Puccini (1926).