Malu: agência e protagonismo femininos são motivo de carta de amor a legado intergeracional de lutas em comovente longa de Pedro Freire

Thainá Campos Seriz
3 min readOct 10, 2024

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Pôster promocional de “Malu” (Filmes do Estação, 2024), longa dirigido e roteirizado por Pedro Freire. Foto: divulgação.

Título: Malu
País de origem: Brasil (2024)
Duração: 100 minutos
Gênero: drama
Direção e roteiro: Pedro Freire
Produção: Tatiana Leite, Roberto Berliner, Sabrina Garcia e Leo Ribeiro
Coordenação executiva: Isabel Lessa
Coordenação de pós-produção: Guga Nascimento e Nat Mizher
Fotografia: Mauro Pinheiro Jr., ABC
Montagem: Marilia Moraes, EDT
Direção de arte: Elsa Romero
Direção musical: Jonas Sá
Som direto: Marcel Costa
Desenho de som: Daniel Turini
Supervisão de som: Fernando Henna, Henrique Chiurciu
Mixagem: Daniel Turini
Caracterização e visagismo: Marcos Freire
Figurino: Rô Nascimento
Distribuição: Filmes do Estação
Elenco: Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha, Carol Duarte, Átila Bee

Além-desvelamento de conflitos tão canônicos quanto as relações materno-filiais per se, Malu (Filmes do Estação, 2024) sumariza o embate de três distintas gerações de mulheres como metonímia do estado (a refletir-se de acréscimo ou de retração) democrático pós-1985 brasileiro sob a perspectiva feminina. Triunfo maior do retrato conseguido interior de Pedro Freire é a vocalização de agências que, generodiversas, exprimem contradições e sensibilidades nunca silenciáveis ao próprio olhar. Signo formal do confronto duplamente estabelecido à abertura, a razão de aspecto reduzida constrói junto à decupagem de primeiríssimos planos e de close-ups o encerramento sobretudo claustrofóbico das hostilidades existentes entre D. Lili (Juliana Carneiro da Cunha) e Malu (Yara de Novaes), pois tributáveis a passado não ido de violências ainda replicadas, e algo perdoadas, diga-se, ao presente. Em outra vaga, o retorno de Joana (Carol Duarte) amplifica a visão da decadência da casa da família enquanto subsequente material da prisão autoerigida da ex-atriz aos ideais não perfeitos da promessa oitentista de dignidade e a dissociação da contemporaneidade em imobilismo, em amargura e em carestia.

Lili (Juliana Carneiro da Cunha), Malu (Yara de Novaes) e Joana (Carol Duarte) perfazem três gerações de mulheres cujo embate sintetiza a disputa pela alma do país ressurgido pós-ditadura civil-militar (1964–1985) e pela consolidação democrática. Fotos: divulgação.

Ruinoso, o relacionamento intrafamiliar metaforiza a dinâmica das hierarquias de classe e racigenderizadas do contexto de inserção territorial do trio para a denúncia de assimetrias estruturais e da continuidade transgeracional de arbítrios sociopolíticos. Trágica inflexão de queda já anunciada, a mudança ao enquadramento de ângulos baixos opera a gradativa perda de vivacidade da protagonista de Yara de Novaes ao diagnóstico da doença de Creutzfeldt-Jakob, devolvendo-lhe frágil à iminência do fim. Mesmo imponderável, o declínio psicomotor não foi capaz de arrefecer tenacidade outrora animadora de insistência quase solitária a causas de uma vida ceifadas ao Brasil. Incapaz de admitir a derrota da amada mãe, Freire escreve com o longa comovente carta (coletiva) de amor ao legado da geração cuja sobrevivência àquele horror de 21 anos segue referencial às lutas do agora.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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