Maestro: por vezes, o retrato de quem amamos deve permanecer na intimidade
Título: Maestro
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 131 minutos
Gênero: biografia; drama; musical; romance
Direção: Bradley Cooper
Roteiro: Josh Singer e Bradley Cooper
Produção: Bradley Cooper, Todd Phillips, Martin Scorsese, Steven Spielberg, Emma Tillinger Koskoff, Kristie Macosko Krieger, Amy Durning e Fred Berner
Direção de fotografia: Matthew Libatique
Direção de arte: Kevin Thompson
Música: Leonard Bernstein
Montagem: Michelle Tesoro
Empresas produtoras: Amblin Entertainment, Sikelia Productions, Fred Berner Films
Distribuição (Brasil): Netflix
Elenco: Bradley Cooper, Carey Mulligan, Jeremy Strong, Matt Bomer, Maya Hawke, Sarah Silverman
Confesso ter aguardado uma cinebiografia de Maestro (Netflix, 2023), longa com direção de Bradley Cooper e roteiro de Josh Singer e de Bradley Cooper. Em verdade, a sinopse elucidava algo distinto, leia-se, a história do relacionamento de Leonard Bernstein (nascido Louis Bernstein, 1918–1990) (Bradley Cooper) e de Felicia Montealegre Bernstein (nascida Felicia María Cohn Montealegre, 1922–1978) (Carey Mulligan). Por um momento, então, maravilhada fiquei. Os bons jogos de câmeras, a sobreposição sequencial de imagens rimadas e diversos superzooms entre planos subjetivos procuraram evidenciar, à proximidade de olhares, de sentires e até de alguma fisicalidade, o amor constante e parceiro de um casal cuja união mais se assemelhava a um conto de fadas. No entanto, a realidade provaria o contrário e, em tela, veríamos a decadência do eterno.
Se o preto e branco do 1º ato também marca, entre outros aspectos, o estilo da direção de B. Cooper, verdade é que, semanticamente, destacaria um passado já tornado distante, em virtude de um presente de cores esmaecidas pela rotina, pela quebra de confiança e pelo ressentimento de um dos amantes. A bissexualidade de Bernstein — vou insistir neste ponto — destacou-se como deveria, ou seja, elemento da subjetividade do maestro e, não obstante a justificável solidão da personagem de Carey Mulligan — dada a sobrecarga com a reprodução da vida doméstica — , os vários amores conhecidos do artista tornaram-se insuportáveis de encarar, em nome de uma falha até fóbica da proteção de si e do entorno. Como pessoa bissexual, foi difícil de assisti-lo. Ademais, porque produto da recriação exterior de eventos escrutináveis em profundidade talvez apenas por diretamente envolvidas e envolvidos, ou seja, os retratados, Maestro constitui-se uma bela memória familiar a qual melhor teria permanecido na intimidade de quem a viveu/dela compartilhou.
Se Felicia não foi enganada sobre quem era o companheiro, outras ilações a respeito da privacidade do casal frente a diversas ocorrências tornam ainda mais pretensiosa a (perceptível) ingerência das filhas e do filho de Bernstein e de Cohn Montealegre-Bernstein na obra, em uma além-superexposição. As nuances de relacionamento amoroso alheio são inescrutáveis até mesmo para a descendência, apesar do que se julga saber pelo convívio. Saí dos 131 minutos desta imersão sem, de fato, conhecer as pessoas em tela apresentadas, porque a narrativa construiu-se entre tão somente percepções externas.
O retrato exposto é o de como Jamie, Alexander e Nina Bernstein gostariam que víssemos seus amados pais, e esta ação retira a agência do público. Momentos memoráveis, vide a cena da regência, são pouco explorados, enquanto as trajetórias individuais/profissionais ficaram decepcionantemente reduzidas a linhas de diálogo. Não falamos de dois anônimos; trata-se de uma tentativa de controle, a meu ver, indevida. Parte da compreensão a respeito de quem amamos ocorre, quando deslocamos o olhar para a sua inserção no mundo e podemos concluir, de maneira empática, acerca da influência ou não da externalidade sobre o retorno das mesmas pessoas ao já conhecido e a desbravar da relação por todos os lados.
Curiosamente, dada a recente profusão de produções do gênero, aqui, sim, caberia uma cinebiografia.
P.S.1: a maquiagem de Bradley Cooper e de Carey Mulligan é excepcional. De fato, a prótese nasal foi desnecessária. Aliás, Cooper está no papel de maturidade da carreira, qual Mulligan. Por vezes, confundi-o com o maestro Bernstein e, reafirmo, ainda aguardo sua cinebiografia.
P.S.2: Cohn Montealegre-Bernstein é alguém de ascendência costarriquenho-chilena. Por isso, senão com background semelhante, a escalação de uma atriz de origem latina seria talvez requerível. O mesmo poderia ser dito sobre Bernstein, pessoa judia, mas a questão não é consenso entre o grupo. Parte sente-se representada por uma boa atuação, enquanto outra parte, não. Por isso, prefiro não concluir mais.