Love Lies Bleeding: O Amor Sangra: romance sáfico enfrenta estereótipos e insere protagonismo não masculino em cinema de gênero de Rose Glass
Título original: Love Lies Bleeding
Países de origem: Reino Unido e Estados Unidos (2024)
Duração: 104 minutos
Gênero: thriller; crime; romance
Direção: Rose Glass
Roteiro: Weronika Tofilska e Rose Glass
Produção: Andrea Cornwell e Oliver Kassman
Fotografia: Ben Fordesman
Montagem: Mark Towns
Direção de arte: Katie Hickman
Figurino: Olga Mill
Trilha sonora: Clint Mansell
Distribuição (Brasil): Synapse Distribution
Elenco: Kristen Stewart, Katy O’Brian, Ed Harris, Jena Malone, Dave Franco, Anna Baryshnikov
O amor que faz sangrar definitivamente mergulha em vermelho a vida escolhida a duas. Em Love Lies Bleeding: O Amor Sangra (título original: Love Lies Bleeding) (Synapse Distribution, 2024), a diretora Rose Glass (Saint Maud) ambienta este romance sáfico à atmosfera oitentista de um exploitation de suor, de crime e de lágrimas para a consecução desta história desafiadora das feminilidades hegemônicas e da performance social genderizada.
O encerramento claustrofóbico do plano inicial de Lou (Kristen Stewart) em meio à limpeza de uma privada metonimiza a escatológica, pois medíocre, rotina à frente da gestão da academia pertencente ao quase homônimo pai (Ed Harris) — a confusão de gêneros torna interessante a leitura da presente hierarquia familiar — , com quem rompera relações há doze anos. A chegada da aspirante à fisiculturista Jaqueline “Jackie” Cleaver (Katy O’Brian) abalaria a monotonia daqueles dias logo à tensão estabelecida pelo desvelar dos reais interesses da forasteira no pronto envolvimento afetivo com a gerente. Já à abertura, Glass investe sobre certa estereotipia bifóbica concernente a uma preocupação exacerbada com a fidelidade potencial ou não do par romântico assumido bissexual e, qual prova do sentimento retroalimentado — no intento de cativar a amante, Lou Langston oferecera, além de abrigo e de fritadas matinais, esteroides, e desconfiança não se lhe realiza vocábulo adjetivador — , Jackie daria cabo de J.J. (Dave Franco), o marido agressor de Beth (Jena Malone), irmã caçula da agora parceira. O contraste da iluminação e da paleta de cores primárias empregada em distintos núcleos — basta observar o uso do amarelo e do vermelho na caracterização do ninho amoroso das protagonistas, por exemplo — tece nota assertiva das autorias de Rose G. e de Weronika Tofilska acerca das bases interrelacionais heterocisnormativas, cujo romantismo modelar, ou procriador, concerta-se sob o sacrifício das integridades laborais (físicas) e mental-emocionais de mulheres aferradas ao trabalho reprodutivo de afetos, porque não recíprocos, violentos.
A despeito de manifestações inequívocas de desamor e de ojeriza do companheiro, a personagem de Jena Malone hesita romper com o destino aprendido individual desde a infância. Em ruptura paradigmática, Lou e Jackie permitem amar-se e a outrem entre o arbítrio masculino(ista) e o sangue derramado na proteção às pessoas mais amadas, não obstante as contradições. No lugar do assassínio ou da hecatombe suicidária, ambas forjam-se agentes das próprias histórias. Exagerados, contudo, ao 3º ato, nem mesmo os elementos fantásticos inseridos à montagem e à edição sonora puderam aplacar o conjunto neo-noir da celebrável realizadora britânica.
A sobrevivência na realidade extratelas do século 21 é contingência indubitável de luta e de ativismo políticos, mas a fantasia apresenta-se seara artística disponível a um existir além-materialidades. Um dos melhores filmes do ano tem mulheridades ao centro, e tamanho protagonismo não poderá ser esvaziado.