Jurado Nº 2: Clint Eastwood confronta tipo protagonista do próprio cinema em crítica à premissa basilar da consolidação democrática estadunidense que dispensa o retorno ao coletivo no aperfeiçoamento da justiça

Thainá Campos Seriz
3 min readDec 23, 2024

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Pôster promocional de “Jurado N° 2” (título original: “Juror #2”) (Warner Bros. Pictures, 2024), longa dirigido por Clint Eastwood e roteirizado por Jonathan Abrams. Foto: reprodução.

Título original: Juror #2
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 114 minutos
Gênero: suspense; drama
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Jonathan Abrams
Produção: Clint Eastwood, Adam Goodman e Tim Moore
Fotografia: Yves Bélanger
Montagem: David S. Cox e Joel Cox
Direção de arte: Ronald R. Reiss
Música: Mark Mancina
Distribuição (Brasil): Warner Bros. Pictures (Max)
Elenco: Nicholas Hoult, Toni Collette, Zoey Deutch, Chris Messina, J. K. Simmons, Kiefer Sutherland

Em luta por novos começos ao lado da família prestes a completar-se com a chegada da pequena filha, Justin Kemp (Nicholas Hoult) refez-se a si e a vida conjugal após a queda à adicção e ao luto. Junto à companheira Allison (Zoey Deutch), Kemp vê a chance de outro futuro ser abalada ao constatar a própria presença no cenário da morte de Kendall Carter (Francesca Eastwood) em meio ao julgamento do caso de James M. Sythe (Gabriel Sasso) e, atônito, oscila entre revelar-se às autoridades policiais e manter-se anônimo à condenação presumida, porém ainda não ratificada do suspeito feminicida. Sob abordagem micro-histórica e em oportunidade talvez derradeira, Jurado Nº 2 (título original: Juror #2) (Warner Bros. Pictures, 2024) confronta o tipo metonímico do cinema de Clint Eastwood em revisão às consequências da primazia do homonacionalismo (Preciado, 2017) individualista sobre a democracia à americana a partir do escrutínio ao complexo penal-criminal.

Selecionado para o corpo de júri da ação contra o suspeito James M. Sythe (Gabriel Sasso), Justin Kemp (Nicholas Hoult) percebe que pode estar envolvido na morte de Kendall Carter (Francesca Eastwood) e, por isso, oscilar entre revelar-se e permanecer anônimo. Fotos: reprodução.

A falibilidade do sistema de justiça é tributária à expressão da supremacia moral cujo modelo psicológico é informador do branco homem médio estadunidense e de seus anseios, pois reflexos vocacionados da grandeza do país. O engajamento de Justin K. na deliberação pela inocência de Sythe faz-se culpado por responsabilidade não admitida, embora escusável fosse. No caso da promotora Faith Killebrew (Toni Collette), a despeito de conjunto fático inconclusivo, a circunstancialidade material facilitaria a construção narrativa da culpa do acusado, sendo a vitória nos tribunais impulso relevante à corrida por cargo eletivo. A escolha do prenome da personagem de Toni Collette é cirúrgica: a fé na busca da verdade resta frustrada à satisfação de interesses não coletivos. Quase religiosa, portanto, a crença inabalável no punitivismo faz-se onipresente no enquadramento da inscrição “IN GOD WE TRUST” (em tradução livre, “em Deus nós confiamos”) em plano que paira superior ou composto com uma câmera descendente sobre a bandeira norte-americana em pontuais cortes secos.

Os close-ups e a escolha de contraluzes para a sugestão da claustrofobia emocional à dúvida — perceba-se o efeito da iluminação das persianas no rosto de Hoult — criam unidos à paleta de tons terrosos a austeridade a qual todos e todas sucumbem. Porque sucumbe à injustiça, o representado povo do estado da Geórgia aparece trajado de verde, o mesmo da caminhonete do atropelamento de Carter e assumido (no vestuário) por Killebrew depois de proferida a sentença. Se o retorno de Eastwood ao indivíduo serve à crítica de premissa basilar a uma propaganda democrática ufanista, saída importante seria lembrar a reconstrução do comum no aperfeiçoamento de freios e de contrapesos institucionais via governança e no acréscimo da participação popular cidadã enquanto legítimo poder fiscalizador do pacto societário.

Se o engajamento na deliberação pela inocência de Syhte (Sasso) é culpado, a acreditada superioridade moral de Kemp (Hoult) é a razão de sua queda ao abismo da iniquidade, bem como de todo o sistema de justiça estadunidense representado por Faith Killebrew (Toni Collette). Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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