Indiana Jones e A Relíquia do Destino: o tempo não fará esquecer o direito à continuidade

Thainá Campos Seriz
3 min readJul 4, 2023

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Pôster oficial de “Indiana Jones e a relíquia do destino” (título em português/BR). Foto: reprodução.

Direção: James Mangold
Elenco: Harrison Ford, Phoebe Waller-Bridge, Mads Mikkelsen, Toby Jones, Antonio Banderas, John Rhys-Davies, Boyd Holbrook, Shaunette Renée Wilson, Thomas Kretschmann, Olivier Richter, Ethann Isidore
Roteiro: James Mangold, John-Henry Butterworth e Jez Butterworth
Fotografia: Phedon Papamichael
Montagem: Andrew Buckland, Dirk Westervelt e Michael McCusker
Trilha sonora: John Williams

Confesso: estava saudosa de bons filmes de aventura. Sentia falta da adrenalina com tramas eletrizantes, enredo entremeado por plots, por viradas inesperadas e por aquela pequena dose de, vá lá, de romance. Não sabia, entretanto, que sentia falta era de outro filme da saga Indiana Jones.

Sem Steven Spielberg na direção do último longa da saga, coube a James Mangold a condução do (aparente) capítulo final da história de J. H. Jones Jr. na grande tela. Com maestria e comovente sensibilidade, Mangold é respeitoso, porque emocionado com a história de Indiana Jones e a do próprio Harrison Ford em seu protagonismo. As ainda bem-vindas, porque precisas, adições de Phoebe Waller-Bridge (Helena Shaw) e Mads Mikkelsen (Jürgen Voller) feitas por Nina Gold deram o tom solene para lá de necessário à despedida. O ator estadunidense encerra a trajetória à frente do papel do mais célebre professor de Arqueologia da telona como começou: em outra de suas aventuras. O tempo é a grande relíquia em questão (perdoem, não poderia perder o trocadilho). O encerramento de toda jornada requer, claro, o retorno ao início — compromisso, aliás, obrigatório — . O passado é tempo persistente que, quando não cuidado, regressa até encontrar reconciliação incontornável com o presente. A alusão à luta antinazismo é tema comum aos cinco longas, pois, afinal, referência à chaga (desejada) insolúvel dentro e fora das telas. Para um dos lados do embate, o insistente retorno precisa construir a resolução do trabalho iniciado no e com o passado ainda incessante. Se definitivo precisa ser o fim da mazela do racismo nazifascista, comprova-se, também deve ser o cuidado com a (sua) memória.

Frame de “Indiana Jones e a relíquia do destino” (título em português/BR). Foto: reprodução.

Antes dos multiversos de uma seara cinematográfica, as máquinas do tempo e a criação (teórico-matemática) de fissuras temporais já abstraíam a importância da história pública e da memorabilia como política reparatória aos arbítrios de pretéritas, porém continuadas colonialidades — a fotografia amarelada do Oriente marroquino e o foco luminoso no plano médio de Indiana Jones com seus clássicos chapéu e chicote ainda perpetuam certo tratamento etnocêntrico da branca outridade europeia, mas também o é a própria existência da saga, diga-se a verdade — . Como o presente, o passado permanece em disputa para vencedores e perdedores. No caso de Indiana Jones e a relíquia do destino (Walt Disney Pictures, Lucasfilm, Paramount Pictures, 2023), os derrotados querem subverter o curso da história para impor à força uma ansiada, e malfadada, vitória sob o que lhe é característico: o recurso ao autoritarismo, à violência e à manipulação/à desinformação. Os vencedores compreendem a importância de guardar o tempo enquanto relíquia fundamental à construção de seu presente e evitam a ruptura cronológico-factual como tentativa de consolidação das histórias e das dores a ser lembradas (mesmo as próprias). Pertencemos cada um(a) ao nosso tempo, e sê-lo é fazer o trabalho de reconstrução da memória e da vocalização das existências feitas apagar. Ser e existir com o nosso tempo garantem o futuro e o direito à continuidade.

Indiana Jones é de seu tempo e, nele, construiu a memória a ser lembrada da resistência incondicional a quaisquer formas de autoritarismo e de opressão. Em respeito ao tempo, às suas e aos seus contemporâneos, Harrison Ford brinda-nos com uma vulnerabilidade antes nunca vista para agradecer o tempo da acolhida a tão inesquecível personagem. Nós, em retorno, garantimos que o tempo jamais o fará esquecer.

Montagem com frames de “Indiana Jones e a relíquia do destino” (título em português/BR). Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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