Homem-Aranha: Através do Aranhaverso: o dilema do adolescente negro é ter o próprio futuro
Direção: Charlie Martin, Joaquim dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers
Elenco: Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Jake Johnson, Oscar Isaac, Issa Rae, Daniel Kaluuya, Karan Soni, Jason Schwartzman, Brian Tyree Henry, Luna Lauren Velez, Amandla Stenberg, Andy Samberg, Shea Whigham e Greta Lee
Roteiro: Dave Callaham, Phil Lord, Christopher Miller
Montagem: Michael Andrews
Trilha sonora: Daniel Pemberton
Você pode temer as continuidades de seus filmes e/ou, neste caso, animações preferidos, pois a reprodução da fórmula de sucesso de um pode diluir quaisquer arcos, em especial, aqueles a ser perseguidos por protagonistas, em repetição quase caricatural. Felizmente, e digo-o com alívio, não é o que se pode dizer de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (Kemp Powers, Joaquim dos Santos e Justin Thompson, 2023). Não é apenas inteligente e elemento narrativo importante à composição de uma cada das personalidades dos super-heróis, e da heroína, a infinita variação de cores, como a dinâmica mesma assumida entre sentimentos, investigação emocional, cenário e cores é estilo e hipertexto a referências internas e externas aos quadrinhos — e cujas edições aparecem referenciadas como cliques ao enredo a desenvolver de outra versão ainda dos vários, e das várias, Aranhas — . Se posso encaixar-me em uma, eu seria, sem dúvidas, a versão punk rock (risos nervosos, pois não consigo abandonar).
Se o coprotagonismo de Gwen Stacy (Hailee Steinfeld) segue ganho inaudito para o filme, Miles Morales (Shameik Moore) ganha algo além de dilemas adolescentes afeitos à faixa etária, ou seja, o de encontrar caminho e trajetória próprios fora do seio familiar. Para Morales, ver-se sem esta proteção em espaços geralmente hostis à presença negra, como o acadêmico — questão bem-descortinada na cena com a orientadora vocacional e, depois, em comovente diálogo com a mãe no pós-festa do pai — , esbarra em romper com o que se espera do futuro e das escolhas além-sobrevivência de garotos negros para encontrar a si mesmos e à sua singularidade. Não é dada a jovens negros a escolha por um futuro acadêmico, ou ainda a de não precisar/ter de assumir a responsabilidade pela percepção de parte da renda e do orçamento familiares. Não é dada a escolha de, inclusive, errar, pois, ao contrário, o futuro coincide com a sua extinção, quando não física, simbólica. Miguel O’Hara (Oscar Isaac) não erra ao dizer que se trata de um erro Miles Morales ser uma das versões do Homem-Aranha, pois o acidente de superpoderes, leia-se talento, não poderia ocorrer a pessoas como ele, mesmo os providos pela picada de uma aranha (mais aleatório, impossível).
Os multiversos aranhas são a metonímia para versões tão diversas quanto possíveis de um sem-número também plural de trajetórias individuais e coletivas nas mais distintas geografias e cores locais. Em todas, no entanto, o espaço para que se realizem em inteireza pode, ou deveria, ser o ponto comum.