Gladiador 2: leitura multiépocas fetichiza ingênua, porém autoritária, fantasia republicana de Ridley Scott sobre a glória imperial europeia em longa que estabelece em 2024 franquia do premiado Gladiador (2000)
Título original: Gladiator II
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 148 minutos
Gênero: épico; ficção histórica; drama
Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Scarpa
Produção: Ridley Scott, Michael Pruss, Douglas Wick e Lucy Fisher
Fotografia: John Mathieson
Montagem: Claire Simpson e Sam Restivo
Direção de arte: Arthur Max
Música: Harry Gregson-Williams
Efeitos especiais: Graziella Cassar
Figurino: David Crossman e Janty Yates
Distribuição (Brasil): Paramount Pictures
Elenco: Paul Mescal, Pedro Pascal, Denzel Washington, Connie Nielsen, Derek Jacobi, Djimon Hounsou, Joseph Quinn, Fred Hechinger
Uma vez em disputa, o vislumbre exterior da capital romana seria negado ao desenlace das intrigas palacianas conquanto afiançadoras do honroso exemplo de Maximus Decimus Meridius (Russell Crowe) aos idealistas de Gladiador (título original: Gladiator, 2000). Em Gladiador 2 (título original: Gladiator II) (Paramount Pictures, 2024), a embevecedora reconstituição zenital da urbe metropolitana contrasta em grandiosidade com a decepcionante parte de planos e da trilha sonora inteiramente copiada do filme primevo, quando a excelência de Ridley Scott preveria o arranjo de inovador conjunto visual em tela. A considerar-se o estabelecimento da franquia e a óbvia remissão à história de origem, contudo, a obra de 2024 termina por esconder seus tipos metonímicos na sombra criada por brilhantes personagens pretéritas, destituindo de complexidades e de nuances outras as expressões surgidas em tempo diverso daquele do ano de 180 EC.
Neste sentido, melhor representação de Maximus é Acacius (Pedro Pascal). Adorado à dupla imperial (Joseph Quinn e Fred Hechinger), à semelhança do quase homólogo, o general engaja-se na sedição liderada pela companheira Lucila (Connie Nielsen), personalidade cujo protagonismo nas conspirações antirregime manteve-se inabalável em pouco mais de vinte anos. Como Próximo (Oliver Reed), Macrinus (Denzel Washington, inspirado na figura de Marco Opélio Macrino [c. 165–218]) receberia a liberdade de Marcus Aurelius (Richard Harris) e encontraria no mercado de pessoas escravizadas e de gladiadores ferramenta de ascensão econômico-social, pois em vingança ao período de cativeiro. Vingança é o que também procurava, aliás, Hanno (Paul Mescal), ou Lucius Verus, herdeiro afastado do trono e viúvo de Arishat (Yuval Gonen), oficial das forças militares de Numídia assassinada na vitória do exército invasor contra o último bastião da resistência norte-africana ao imperialismo romano. O roteiro de David Scarpa é hábil em organizar interesses conhecidos ao jogo político agora ampliado da cidade fictícia de Scott na profusão de atores (re)criada, mas a queda de Acacius, de Lucila e de Hanno/Lucius à fictícia moral republicana de império admitido sanguinário parece fetichizar emancipatório afã, entretanto, autoritário de salvadores degradados à bestialização (ver Carvalho, 1987) da amorfa massa manipulável de Roma — o pedido de resgate popular da tirania, diga-se, jamais fora feito — .
Na (pouco precisa) leitura multitempos do realizador britânico, os imperadores gêmeos aludiriam ao mito etrusco de fundação (753 AEC) entre o ocaso desvelado hodierno à concupiscência — afetada, a masculinidade heterodissidente de Caracalla (Fred Hechinger) erige a ruína pessoal e dinástico-familiar — e à promiscuidade político-privada de agentes parlamentares/infrainstitucionais na coisa pública. Se a perspectiva fizera-se continente ao longa pioneiro, replicá-la após duas décadas já não mais assenta ingênua a problemática visão de mundo da autoria. A tentativa de repetir o sucesso de 2000 às expensas de tônica narrativa consagrada mostra estagnação ambivalente a cineasta tão profícuo e, a desprezar as habituais inconsistências históricas — sentida foi a brancura do duo de governantes de ascendência africano-setentrional — , o orgulho de promissora criatura logo pode transformar-se em rumor de grandiloquência apenas passada.