Fúria Primitiva: escolha criativa sobre ação quase oblitera potência narrativa autocentrada em longa de estreia do realizador Dev Patel
Título original: Monkey Man
Países de origem: Canadá e Estados Unidos (2024)
Duração: 121 minutos
Gênero: ação; suspense; drama
Direção: Dev Patel
Roteiro: Paul Angunawela, John Collee e Dev Patel
História original: Dev Patel
Produção: Jordan Peele, Dev Patel, Jomon Thomas, Win Rosenfeld, Ian Cooper, Basil Iwanyk, Erica Lee, Christine Haebler e Anjay Nagpal
Fotografia: Sharone Meir
Montagem: Dávid Jancsó e Tim Murrell
Trilha sonora: Jed Kurzel
Direção de arte: Ahmad Zulkarnain e Pawas Sawatchaiyamet
Figurino: Divvya Gambhir e Nidhi Gambhir
Distribuição (Brasil): Diamond Films
Elenco: Dev Patel, Makarand Deshpande, Sikandar Kher, Ashwini Kalsekar, Adithi Kalkunte, Sharlto Copley, Pitobash, Vipin Sharma
Referências a marcos de briosas escolas cinematográficas não faltam a este Fúria Primitiva (título original: Monkey Man) (Diamond Films, 2024), longa dirigido, estrelado e corroteirizado por Dev Patel, mas as escolhas criativas sobremaneira intertextuais em muito obliteraram o bom roteiro da parceria Paul Angunawela, John Collee e Dev Patel. Enquanto o abuso de planos holandeses, de exposições diversas e de giros em 360° parece querer eufemizar a realidade em si frontal do exercício da violência, sua repetida interposição quase artificializaria a resposta às dores e aos traumas fundamentais da personagem principal. Já a estética e a decupagem sempre superestilizadas comprometem a sequência visual da ação per se e replicam autoria certa vez consagrada a clássicos mesmo bollywoodianos do gênero. Se a ancoragem em uma narrativa de vingança afigura-se lugar-comum, a boa adaptação do enredo às cores locais atualizaria três mitos seminais à cosmogonia hindu entre realismo social crítico à economia nacional ainda castista das desigualdades.
Ancestral, consuetudinário ou capitalista, o direito à terra é palco das disputas por que a promiscuidade de agentes estatais e de grupos privados explicita a retórica fundamentalista religiosa vicejante a projetos político-eleitorais ultraconservadores e nacionalistas. À memória infantil nunca perdida de Jatin Malik (Dev Patel), o embate pela alma indiana faria equilibrar hecatombe (Shiva) e reconstrução (Parvati) na sondagem psicológica do protagonista cuja releitura moderna da mitologia de Hanuman realiza-se, em verdade, metonímica. Tendo quase devorado o Sol, tamanhos vigor e insaciedade, homem e Deus Macaco foram flagelados à sanção divina. Como consequência, na contemporaneidade, Kid/Bobby (Dev Patel) autopenalizar-se-ia com o sangue derramado nos ringues em expiação ao luto materno decorrido do massacre ordenado por Baba Shakti (Makarand Deshpande) e por Rana Singh (Sikandar Kher) à comunidade de origem. Em meio à falência moral da opressão à pobreza, o resgate a posteriori às hijras (mulheres transgênero ou travestis) animaria o desvelamento final do pátrio masculinismo transfóbico opressor e a solidariedade das lutas antidominação.
Junto às iguais, Kid reconciliara-se com o passado na agência retomada da própria história ao presente. A iluminação outrora colorida em neon transmutara-se no vermelho soturno da fábula assim presentificada até migrar para o amarelo solar do desejo de existir. Assumida ao herói a individualidade, enfim, além-dor, a Patel o exemplo envidado deveria ser pedagógico. Do estreante, podemos aguardar um bom futuro, se identidade o agora também autor conferir aos trabalhos vindouros.