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Estranhos negros frutos e suas folhas de sangue no coração da América: The United States vs. Billie Holiday

Andra Day protagoniza uma Holiday visceral, amante e humana além de qualquer limite.

Thainá Campos Seriz
3 min readApr 7, 2021

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Da canção de estranhos frutos e folhas cheias de sangue nas árvores da América. Da perigosa canção de estranhos frutos e folhas cheias de sangue em árvores no coração da América. Da canção perigosa e “sentimentos errados” quanto aos estranhos frutos de folhas cheias de sangue em árvores. Uma canção. A voz da canção. A poderosa voz da canção. A tal canção motivou perseguição política covarde, porque racista, misógina e bifóbica, implacável a sua principal, inigualável voz. Implacável e destrutiva, nunca autoinfligida.

A retórica de guerra às drogas da Divisão de Narcóticos do Bureau Federal de Investigação estadunidense criminalizaria Billie Holiday, jamais silenciada sobre os estranhos negros frutos da canção sobre as brancas árvores da América, apesar de censurada e por diversas vezes ameaçada com o re-encarceramento. A resiliência perversa de Harry J. Anslinger encontraria no brilhantismo, inteligência e tenacidade de Holiday anteparos à mediocridade, covardia e pequenez do racimachismo institucional à americana. Sob falsa acusação de posse de heroína, plantada por agentes do FBN, Lady Day, como Billie, nascida Eleanora Fagan Gough (1915–1959) neste mesmo 7 de abril, também era conhecida, tivera prisão decretada em seu leito de morte, no dia 17 de julho de 1959.

Gilbert Millstein, colunista do jornal The New York Times e narrador dos shows da artista no Carnegie Hall (1956), escreveria na contracapa do “Essencial de Billie Holiday”, álbum relançado em 1961, que apenas horas antes do fim o policial designado à guarda da cantora, intérprete e compositora retirara-se do quarto do Hospital Metropolitano (Nova York) no qual se encontrava, e por ordem judicial. E completa:

“[…]. A probabilidade existe de que, entre os últimos pensamentos desta mulher cínica, sentimental, profana, generosa e muito talentosa de 44 anos, estava a crença de que seria acusada na manhã seguinte. Ela teria sido, eventualmente, embora talvez não tão rapidamente. Em qualquer caso, ela retirou-se, finalmente, da jurisdição de qualquer tribunal terreno”.

Um projeto de lei antilinchamento fora apresentado à Câmara des Representantes federal, em 1900, pelo então negro deputado republicano George Henry White, da Carolina do Norte. A peça propunha a classificação deste homicídio, ou tentativa de homicídio, de motivação racista como crime federal. Sem votos suficientes à aprovação, a iniciativa, embora fracassada, envidou esforços a outras 200 tentativas de apreciação/ratificação nos anos seguintes — todas engavetadas ou derrubadas. Em 2020, após 120 anos, a Câmara aprovaria a incidência do deputado Bobby Rush, democrata do estado de Illinois, na matéria, oficializando linchamento enquanto crime de ódio sob a lei federal. O texto recebeu 410 votos a favor e 4 contra. Em 2019, o Senado confirmara por unanimidade proposta semelhantemente encaminhada de coautoria dos únicos três negros senadores, entre os cem, integrantes da Casa, os democratas Cory Booker (Nova Jersey) e Kamala Harris (Califórnia) — que renunciou ao cargo em 19 de janeiro deste ano, uma vez eleita vice-presidenta nas eleições gerais de 2020 à Casa Branca e deixando o Senado vacante de representação negrofeminina — , e o republicano Tim Scott (Carolina do Sul). A última passagem na Câmara abriria, entretanto, caminho para envio ao então presidente Donald Trump, em fevereiro, Mês da História Negra no país, para assinatura final (BBC News Brasil). Até hoje, a lei não foi sancionada.

Baseada no livro “Chasing the scream: the first and last days of the war on drugs” (Bloomsbury Publishing, 2015), de Johann Hari (“Na fissura: uma história do fracasso no combate às drogas”, em português. Tradução: Hermano Freitas. Selo Companhia das Letras, 2018), a cinebiografia The United States vs. Billie Holiday (Hulu, 2021) tem direção de Lee Daniels e roteiro de Suzan Lori-Parks. Andra Day protagoniza uma Holiday visceral, amante e humana além de qualquer limite. O longa concorre ao Academy Award na categoria de Melhor Atriz (Andra Day).

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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