Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você: ainda é possível recuperar o que já sabemos pelo conhecer, de novo, da própria história
Título original: Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você
País de origem: Brasil
Duração: 100 minutos
Gênero: documentário
Direção: Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay
Roteiro: Nelson Motta e Roberto de Oliveira
Produção executiva: Renata Leite
Produção: Diogo Pires Gonçalves
Empresa produtora: Rinoceronte Entretenimento
Direção de fotografia: Fernando Duarte (1974) e João Wainer (2020/2021)
Montagem: João Wainer
Som direto: Tejo Damasceno
Desenho de som: Luiz Felipe Lamussi e Israel Vieira
Pesquisa: Antonio Venancio
Distribuição: O2 Play Filmes
Elenco: Elis Regina, Tom Jobim, César Camargo Mariano, André Midani
Emocionante é como defino Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você (O2 Play Filmes, 2023), documentário com direção de Roberto de Oliveira e de Jom Tob Azulay e roteiro de Nelson Motta e de Roberto de Oliveira sobre os quase 50 anos de lançamento do álbum Elis & Tom (1974), um dos maiores, certamente, já produzidos pela MPB. A reunião improvável de Elis Regina (nascida Elis Regina Carvalho Costa, 1945–1982) e de Tom Jobim (nascido Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, 1927–1994), dada a divergência de estilos e de cancioneiro, é o mote deste longa documental, que alterna entrevistas e imagens inéditas remasterizadas em 4K dos bastidores de gravação do disco em Los Angeles, EUA, desde a chegada de E. Regina à cidade californiana ao cotidiano de ensaios e de informalidades outras. A latente tensão em torno do controle do processo criativo e das escolhas musicais entre T. Jobim e César Camargo Mariano, pianista, arranjador do álbum e então companheiro de Elis Regina, quase transformou Elis & Tom, qual resgatado por João Marcelo Bôscoli, produtor musical e filho da cantora, no maior disco não produzido da história.
Com ambos (Elis e Tom) em momentos distintos das trajetórias profissionais, a reunião, aliás, idealizada por André Midani (nascido André Haidar Midani, 1932–2019), diretor-geral da gravadora Polygram (atual Universal Music) à época, e Roberto Menescal pretendia reabilitar algo então abalado da carreira de Elis Regina, ou seja, o mal-estar gerado por uma de suas performances em evento com patrocínio daquele governo militar entre setores da resistência política antiditadura (não por anuência, mas por pressão do regime). Para tanto, a visita à obra do cantor, maestro e compositor com Brasileiro no nome — consagrado, porém esquecido no Brasil — contaria não apenas com a participação, mas com a gestão do próprio Jobim de toda a cadeia intelectual de produção do disco. No entanto, a incorporação de C. Camargo Mariano ao projeto por Elis levaria diferenças de compreensão importantes ao trabalho tornado caótico já em seu início, em virtude da forte resistência de Tom Jobim à escolha de Mariano.
Ápice de uma consolidada carreira no Brasil e a construir no exterior, embora, àquele momento, não desejada, a citação à elogiadíssima e reconhecida história de Elis Regina até o ano de gravação do álbum sofreria, no final do 1º ato, no entanto, com certa falta de sensibilidade no roteiro, sobretudo quanto à linha narrativa adotada. É compreensível a abordagem à morte de Regina, porque parte da trajetória individual e inflexão do talvez iniciado quanto ao fim para a própria Elis em 1974, mas mesmo já presentes em uma (elaborada e repisada) arqueologia a posteriori dos fatos conhecidos, em algum momento, as nossas tragédias ainda não eram nossas. Se a trajetória de Jobim foi recontada em sua glória, a de Elis também o poderia, especialmente, em 1974, pois havia sustentação ao intento. Apesar da bela recompensa construída no 3º ato em resposta a esta questão, com parcial certeza, digo ser a imagem recuperada do rosto de Elis Regina ao caixão em close-up — desnecessária e de mau gosto — sinalização do que homens conseguem recuperar, ou pouco refletir, acerca da trajetória das mulheres de suas vidas: apenas a tragédia.
Se a incorporação da influência jobiniana às performances subsequentes e até o começo da decadência física final à vida de Elis Regina são localizações posteriores a 1974, não compreendo por que sua tragédia, na linha cronológica adotada, não o seria, como pertinente seria tão só exaltá-la e a existência do álbum Elis & Tom enquanto patrimônios nacional e mundial. Não sei se ainda cabe pintarmos de nostalgia o já conhecido e vivido, não obstante a contragosto, pois enlutados pela precoce perda seguimos, mas torço para conseguirmos ver quem amamos e admiramos além do trauma e da dor por um trágico fim. Refazer o meio para, de novo, encontrar o que sabemos ou deveríamos ter feito, se possível fosse — e até a despeito da agência alheia — , não evitará, como não evitou, o fim.
A morte é um fato da vida, reconheça-se, mas mais espaço há à celebração de uma existência e à memória de seus feitos.
Veja Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você nos cinemas.