Elementos: quando só início e fim redimem o meio
Direção: Peter Sohn
Roteiro: Brenda Hsueh, Kat Likkel e John Hoberg
Elenco: Leah Lewis, Mamoudou Athie, Ronnie del Carmen, Shila Ommi, Wendi McLendon-Covey e Catherine O’Hara
Fotografia: David Juan Bianchi e Jean-Claude Kalache
Montagem: Stephen Schaffer
Ano: 2023
Há quem detrate a fusão Disney/Pixar, eufemismo, aliás, para a compra de um pelo outro, em razão da alegada perda de qualidade narrativa das produções do 2º estúdio. Se, e é bem verdade, o primor estético é permanência, no entanto, e também é verdade, o mesmo não se pode dizer quanto à potência das histórias que a mesma Pixar pareceu consagrar enquanto característica diferencial. Elementos (Elemental, 2023) tem início promissor subutilizado — considerando-se a atualidade do conteúdo disposto nas entrelinhas do discurso de narração na cena inicial — pela necessidade de um romance a ter de caracterizar a própria comédia, em razão, sem dúvida, do público-alvo, e alguma moral edificante (às expensas de mulheres).
No lugar do debate de temáticas, como migrações, emergência climática, racismo/xenofobia, outras discriminações correlatas e seus efeitos nas subjetividades e/ou nas relações interpessoais e intragrupo, o water saviorismo (Vitor Stefano) do romance aí forjado não poderia ser mais piegas. As gerações subsequentes àquelas que inauguralmente migraram são/estão pressionadas a constituir-se âncora asseguradora do bem-estar financeiro e, por isso, emocional de determinado núcleo familiar/comunitário, porque concentram parcela substancial do esforço e do sacrifício de pais e de outras pessoas cuidadoras em prol de sua educação e, consequentemente, de saúde econômica certa feita ensejada pela melhor colocação no mercado de trabalho. O sentimento de dívida e de obrigação quase incontornável para com aquelas coletividade(s) e história — reconhecimento e de reciprocidade são, por outro lado, considerações distintas — é condição estressora, quando não geradora de sofrimento psíquico (vide ansiedade e depressão), além de possível elemento engendrador de lares emocionalmente disfuncionais e traumáticos. Hipervigilância, ansiedade por agradar, dissociação, dependência e codependência emocionais são informadoras de personalidades/de subjetividades traumatizadas em algum nível. Não obstante possam ser próprias de uma personalidade, e isso é (do) humano, irritabilidade e/ou rebeldia para alguém como Faísca Luz (Lea Lewis) têm, sim, causa(s) e materialidade.
Ademais, a assertividade em mulheres não é produto de frustração e/ou passível de remissão pelo amor de homens, mas parte apenas de quem se é ou deseja-se ser, apesar ou não das expectativas de futuro digno depositadas entre uma e outra gerações. Reparação, superação de desigualdades racial-socioeconômicas no mundo do trabalho, dignidade e agência deveriam centralizar o debate já implicitamente presente no início do filme, e não a sugerida tentativa de aplacamento da impetuosidade feminina e de questões eventualmente correlatas ao desequilíbrio emocional-ambiental (este comentário não tem qualquer pretensão diagnóstica, é bom dizer) via romance, ainda que pelo encontro com uma masculinidade (intencionalmente) gentil (ou nem tanto). Aqui, o romance não está excluído pela mera possibilidade de sê-lo, dados os encontros mesmos da vida (o ocorrido entre Faísca e Gota D’Água [Mamoudou Athie] o atesta), mas, de fato, não aguardava ver autonomias de mulheres redimíveis pelo amor de homens (até) sensíveis em 2023. Sorry, ma bad.
Se o início e o fim guardam beleza pela reconciliação com o passado de dores e com a ancestralidade, o meio é decepcionante.