Durval Discos: o colorido da memória ainda é o melhor futuro
Título: Durval Discos
País de origem: Brasil (2002)
Duração: 96 minutos
Gênero: comédia; thriller
Direção e roteiro: Anna Muylaert
Produção executiva: Sara Silveira e Maria Ionescu
Direção de fotografia: Jacob Solitrenick
Direção de arte: Ana Mara Abreu
Música: André Abujamra
Figurino: Mariza Guimarães
Empresas produtoras: Dezenove Som e Imagens, África Filmes, Programa de Integração Cinema e TV, TV Cultura, Secretaria de Estado da Cultura e Governo do Estado de São Paulo
Elenco: Ary França, Etty Fraser, Isabela Guasco, Marisa Orth, Letícia Sabatella, Rita Lee
Como parte do retorno da Sessão Vitrine Petrobras, a digitalização em 4K de Durval Discos (Europa Filmes, 2002; Vitrine Filmes, 2023), clássico do cinema nacional, chega às salas escuras do país nesta quinta-feira, dia 23/11. Com direção e roteiro da hoje celebradíssima Anna Muylaert, Durval Discos, então estreia da produtora paulistana à frente da realização de longas-metragens, centra-se no desenrolar da história do homônimo vendedor de discos de vinil (Ary França), que, entre a recusa da adaptação à contemporaneidade, vive com a mãe já idosa (Etty Fraser) na casa da família em Pinheiros (Zona Oeste da Grande São Paulo), a mesma a abrigar a pequena loja. Diante da necessidade de contratar uma trabalhadora doméstica, dada a idade avançada e a patente dificuldade de locomoção de Carmita, Durval encontra Célia (Letícia Sabatella), alguém cuja promessa de bom braço forte é logo desfeita. Em fuga, a profissional deixa para trás a filha Kiki (Isabela Guasco), a quem as personagens de Ary França e da saudosa Etty Fraser (1931–2018) passam a dedicar profundos afeto e atenção.
O desenvolvimento narrativo da agora tripla relação está marcado na colorimetria mesma de cenários e de figurinos: o contraste já estabelecido entre as cores frias do núcleo de Durval e o expressivo rosa das paredes e das janelas dos fundos da casa, evidência ou não de outro anseio, é acentuado pela vivacidade refletida da menina em itens pessoais, vide a mochila de tons primários e secundários vibrantes. A vida infundida por Kiki em Carmita leva-a a situações cômicas sutilmente transformadas em tragédia, em especial, ante a expectativa da perda do convívio com a pequena — em verdade, sequestrada por Célia — e a repercussão em ações antes impensadas. Durval, igualmente modificado, parece abandonar a infantilidade por que foi mergulhado na vida medíocre de uma solidão tão só quebrada por seus vinis e, com coragem, rompe o ciclo da torrente outrora iniciada por uma mãe carente de sua companhia e solitária. Enquanto a trilha sonora assinada por André Abujamra é a medida exata a embalar comicidade e algum melodrama, a triste demolição da casa-sobrado ao fim das consequências geradas é a São Paulo desvelada em encontros e em desencontros próprios a um cotidiano abalável a sortes e a infortúnios urbanos.
Emocionada com a retomada do projeto Sessão Vitrine Petrobras e com a possibilidade de rever este clássico vencedor de sete Kikitos no Festival de Gramado 2002 na grande tela, além de agradecer o convite à Sinny Comunicação, à Vitrine Filmes e à Petrobras, saúdo o novo-velho esforço de preservação e de guarda da memória visual-cinematográfica brasileira, não obstante ameaças de desfinanciamento e de intermitentes sequestros ao autoritarismo.