Divertida Mente 2: fórmula narrativa repete sucesso entre retrato preciso da mente ansiosa e possibilidades outras vislumbráveis ao filme das nossas adultas infâncias

Thainá Campos Seriz
4 min readJul 3, 2024

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Pôster promocional de “Divertida Mente 2” (título original: “Inside Out 2”), longa de animação Disney/Pixar (2024) dirigido por Kelsey Mann e roteirizado por Meg LeFauve e por Dave Holstein. Foto: reprodução.

Título original: Inside Out 2
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 97 minutos
Gênero: animação; fantasia; comédia dramática; aventura
Direção: Kelsey Mann
Roteiro: Meg LeFauve e por Dave Holstein
Produção: Mark Nielsen
Fotografia: Adam Habib e Jonathan Pytko
Montagem: Maurissa Horwitz
Trilha sonora: Andrea Datzman
Direção de arte: Jason Deamer
Empresas produtoras: Walt Disney Pictures e Pixar Animation Studios
Distribuição: Walt Disney Pictures
Elenco: Amy Poehler, Maya Hawke, Phyllis Smith, Lewis Black, Tony Hale, Liza Lapira, Ayo Edebiri, Adèle Exarchopoulos, Paul Walter Hauser, Kensington Tallman

Aguardado há década, Divertida Mente 2 (título original: Inside Out 2) (Walt Disney Pictures, 2024) nasce em momento permeado por tensões. Animação tributária do catálogo Pixar, o celebrado estúdio veria a inventividade de cultuados longas diluir-se ao ritmo industrial Disney, empresa fusora dos ativos originais, e aos imperativos atualizados do mercado em cinema — fale-se das plataformas por demanda (streaming) — . Com vistas a recuperar a exaltada credibilidade, a sequência aposta na bem-sucedida fórmula narrativa do filme pioneiro para, à entrada de atores outros na Sala de Comando, repetir o nó sugestivamente enredístico da sobreposição protagonista de emoções duais e cuja disputa por hegemonia, inseridos os obstáculos à completude de uma quase jornada heroica, apontará na dialética a síntese resolutiva da dor inicial (não contém ironia).

A chegada de Riley (voz de Kensington Tallman, barra inferior central) à puberdade provoca o despertar de emoções desconhecidas a uma personalidade então infantil. Juntos, Ansiedade (voz de Maya Hawke, à esquerda e laranja), Inveja (voz de Ayo Edebiri, à esquerda e verde claro), Tédio (voz de Adèle Exarchopoulos, à esquerda e roxa) e Vergonha (voz de Paul Walter Hauser, à esquerda e rosa) provocam reviravolta quase incontornável ao turbilhão mental da menina Andersen. Foto: reprodução.

Em Inside Out 2, a expressão dolorosa de Riley (voz de Kensington Tallman) perfaz a passagem à adolescência e os dilemas instaurados a uma personalidade infantil ante a série de mudanças relacional-emocionais vivenciada neste período de transição. A contrariedade estabelecida imediata de motivações entre Alegria (voz de Amy Poehler) e Ansiedade (voz de Maya Hawke) e o rápido, pois subsequente, desenvolvimento da ação é ponto sem dúvidas frustrante da expectativa de encontro do público espectador com as novas personagens — leia-se Inveja (voz de Ayo Edebiri), Tédio (voz de Adèle Exarchopoulos), Vergonha (Paul Walter Hauser) e Nostalgia (voz de June Squibb), além das introduzidas na fusão do 2D e do 3D animados — , bem como de confluência amplificadora da temática outrora apresentada em Divertida Mente (título original: Inside Out) (dir.: Peter Docter, 2015). Se a parca explicitação dos mencionados conceitos de senso egoico e de fluxo de consciência realiza-se nada generosa, a visualidade atribuída em tela é algo, no entanto, criativa: enquanto o temível fluxo de consciência assemelha-se a um curso d’água, o nexo identitário traduz-se em um espécime vegetal que, frondoso, apontaria quão sólidas eram as crenças fundamentais informadoras do Eu. Didático, o efeito de uma oposição binária aparenta-se centralizador no confronto com a unicidade, mas refunda coletivo o esforço pelo bem-estar da menina Andersen — antes de Medo (voz de Tony Hale), de Nojinho (voz de Liza Lapira) e de Raiva (voz de Lewis Black), Tristeza (voz de Phyllis Smith) superaria o desconhecido no socorro à paz interior — e plural o sujeito.

De representação (talvez) inédita, a mente ansiosa é escrutinada com precisão incomum, e a forma cinematográfica escolhida é, porque pertinente, acolhedora. A preocupação desmedida com o futuro aliena a vida no presente das subjetividades e das relações e, neste sentido, as projeções infinitas fazem-se estratégias pró-sobrevivência e de autodefesa. Aceitação comunica pertencimento, e reconhecer-se em semelhantes esvazia a solidão do perigo de existir. No turbilhão de pensamentos conflitantes, o abraço a quem se é e às contradições aterra(rá) de facto o agora.

A puberdade efetiva-se etapa reinaugural à formação subjetiva e da identidade de Riley (voz de Kensington Tallman). Até o restabelecimento da paz interior, a antipedagogia vivida é a da supressão de emoções, no entanto, fundamentais ao processo de individuação. Fotos: reprodução.

Vislumbrar possibilidades mais não é desgostar do produto apresentado por Kelsey Mann e, sim, sabê-lo capaz de realização ainda maior. Um dia importante, Inside Out reconectaria a adultez às infâncias, e a compaixão aí forjada memória insolúvel, tenho certeza, tornou pessoas melhores. Por emular a ficção, a convivência com a dualidade extratela requererá movimento incursivo renovado a mundo já familiar.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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